TOCO, TRAVO E CANELA Lenivaldo Aragão


Na sua primeira grande briga, Almir meteu a mão no juiz

Almir e o técnico Gradim no Vasco



Corria o ano de 1956. Numa excursão pelo Norte e Nordeste, depois de jogar em Belém, o Sport aportou em São Luís para enfrentar o Maranhão, sábado, e um combinado Sampaio Corrêa-Moto Club, domingo. 

O técnico era o argentino Dante Bianchi, que havia incluído na delegação um garoto que estava engolindo a bola no juvenil. Era Almir, que mais tarde brilharia no Vasco, Flamengo e América-RJ, Corinthians e Santos-SP, Boca Juniors-ARG, Fiorentina e Genoa-ITA e Seleção Brasileira. Chegou a ser chamado de Pelé Branco. 

Durante toda a carreira levava nos ombros a fama de ser brabo. Por isso era muito visado. E não abria nem para o trem, como se diz. Parecia interpretar antigo ditado português, que virou música no Brasil: “Eu dou um boi pra não entrar na briga, e uma boiada eu dou pra não sair."  Morreu com um tiro na testa, quando já havia deixado de jogar, numa encrenca que nada tinha a ver com futebol.

Dante Bianchi


Na estreia no Maranhão, empate por 1 x 1. Almir viveu seu primeiro grande fuzuê ao mexer com a pessoa errada. Por achar que o juiz estava protegendo o time da casa, terminou agredindo o homem, que, fora de campo era militar. O pau cantou porque os jogadores locais entraram na confusão e queriam a caveira de Almir, que deu e levou. No primeiro momento, foi ajudado pelo goleiro Carijó e pelo atacante Ilo. Depois chegaram os outros. O jogo terminou ali, e o Sport saiu de campo na correria, ficando recolhido no hotel.

No dia seguinte teve que voltar ao Estádio Nhozinho Santos para enfrentar o combinado.
O técnico Dante Bianchi pediu para seus jogadores não provocarem os adversários e também evitarem provocações. O pessoal queria só um pezinho para criar um tumulto, afirmava o treinador. 

Matreiramente, o argentino determinou que o Leão entrasse em campo com as camisas trocadas, principalmente a turma de choque do jogo anterior. Por exemplo, o centroavante Ilo, que tinha vestido a 9, pegaria a 7. Na equipe da casa jogava o zagueiro Terrível, apelido que dispensa apresentação. Bola batendo na frente dele, atacante que livrasse a cara porque ele ia de bicicleta.

Apesar de Terrível, o Sport ia controlando a situação. O clima ainda era meio pesado, tendo em vista os acontecimentos da véspera, mas dava para ir levando.

À certa altura, o centroavante Ilo foi lançado num contra-ataque, invadiu a área e quando levantou o rosto, viu que Terrível ia chegando para decidir. O rubro-negro deu uma travada quando os dois se encontraram. Terrível subiu, numa imprevista pirueta, e levou aquela queda. Saiu dali para o hospital.  

Coisa de futebol mesmo, admitiu Ilo. Nem tanto. Mais tarde soube-se que o zagueiro tinha fraturado três costelas. O certo é que Ilo passou a absorver toda a raiva dos torcedores maranhenses, que não podiam vê-lo tocar na bola.
– É esse, pega ele – gritavam.
E o atacante, conhecido no mundo futebolístico como Ilo Doido, ia encarando. E se safando.


O centroavante Ilo

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O Sport ganhou o jogo e deixou o gramado sob escolta policial. Com a notícia das costelas quebradas de Terrível, nem Pinheirense, muito querido por ser maranhense, escapou das ameaças dos fanáticos da Bolívia Querida.

No meio da noite, um grupo de torcedores fez uma enorme pilha de jornais velhos atrás do hotel, que funcionava num prédio antigo, e tocou fogo.  Com a labareda e a fumaça, haja hóspede, jogador ou não, a correr, para o meio da rua.  Dante Bianchi, coitado, só percebeu que estava de cueca na calçada quando a polícia chegou.

Naquela noite, depois que os bombeiros apagaram a fogueira de papel, os jogadores do Sport devem ter dormido com um olho fechado e outro aberto.

Foi o primeiro quiproquó de Almir no futebol profissional, embora ainda fosse amador.

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