SELEÇÃO CACARECO (12)



TODAVIA, SI, COMO NON? E RUBÃO QUEBRA O PROTOCOLO

Banhada pelo Rio Guayas, a cidade de Guayaquil sediou o Sul-Americano (Reprodução)


A cidade de Guayaquil respirava o Campeonato Sul-Americano Extra. O técnico Gentil Cardoso dava os retoques finais na equipe brasileira, que faria a estreia, enfrentando o Paraguai. A preparação das equipes chamava a atenção dos torcedores locais. Os participantes, além do Equador, país patrocinador, eram Argentina, bicampeã sul-americana (1957 e 1959), Brasil, Paraguai e Uruguai. Argentinos e uruguaios, nossos tradicionais adversários, contavam com a força máxima, tendo como destaques, respectivamente, os atacantes Sanfilipo e Sacia.

Guayaquil, hoje com 2.272.691 habitantes, já era a cidade mais importante do Equador, superando Quito, a capital, que atualmente abriga 1.607.734 pessoas. Naquele fim de ano a presença de várias seleções nacionais movimentava, sobremaneira, a cidade. Em todas as equipes, cada uma com seu sotaque, falava-se o idioma espanhol, com exceção do Brasil.  

NEM NÁUTICO, NEM BANGU
Numa de suas inúmeras tiradas, o técnico Gentil Cardoso, na expectativa da estreia da Seleção Cacareco contra o Paraguai, mostrou uma bandeira brasileira a seus jogadores, fazendo-lhes esta hilariante advertência:

Paraguai


 – Estas cores não podem perder nem para o Náutico nem para o Bangu.
É que a camisa da Seleção Paraguaia tem listas verticais nas cores branca e vermelha, lembrando os dois times citados pelo treinador.

Náutico


Gentil Cardoso era ao mesmo tempo elogiado e criticado em sua longa carreira. O oficial de dia que ele usava na Cacareco, em 1959, e quatro anos antes (1955) no Sport já era uma tradição por onde andava.

Bangu


“Escalava diariamente um jogador como Oficial de Dia. Era engraçado ver um atleta do clube se responsabilizando pelo cumprimento dos horários, cobrando caixinha pelos atrasos ou pelo recolhimento do material de treino” –  contou um dos seus ex-comandados no Vasco da Gama, o goleiro Valdir, no livro “Onde Ele Pisa Nascem Histórias”.

A ATA NÃO ANDAVA 
O campeonato, como é praxe, foi precedido do Congresso de Abertura. Sessão solene realizada no anfiteatro de uma universidade, sob o comando do presidente da Conmebol, com a presença dos representantes das cinco seleções, desportistas e autoridades locais. Foi indicada a Mesa Diretora, cabendo ao brasileiro Rubem Rodrigues Moreira, o cargo de secretário-geral.

O presidente da Federação Pernambucana de Futebol tomou seu assento e logo chegou uma bela equatoriana que, sorridente, lhe entregou lápis e bloco de anotações. Rubão fechou a cara porque essa tarefa de ficar anotando não fazia parte de seu perfil.

Iniciada a reunião, como todos falavam espanhol, à exceção de Rubem Moreira, era um tal de todavia, si, como non, deixando o secretário da reunião voando. Ruim mesmo foi quando as discussões evoluíram e o presidente da Conmebol, à primeira proposição apresentada, pediu para o secretário-geral “firmar” na ata.

 – Como? – perguntava o desconcertado pernambucano, que logo recebia o auxílio de uma das jovens colocadas à disposição da Mesa.  Em vão, a equatoriana procurou fazê-lo sentir a necessidade de anotar o que estava sendo discutido.

Por mais que explicasse, o secretário ficava só a gesticular, demonstrando não estar entendendo tendendo patavina.  

A moça falava e Rubem insistia com a gesticulação, agora já mostrando impaciência, o que era o seu ‘fraco’.  Os outros dirigentes entreolhavam-se, de maneira indagativa, mas ninguém manjava nada. E a ata não andava. Nem desatava.

QUEBRA DE PROTOCOLO
Quando Rubem não suportou mais a tortura, virou-se para o auditório e quebrou o protocolo, soltando um berro nada elegante:
  – Jaime de Brito Bastos!

Estupefação total. Jaime da Galinha, um pouco encabulado, embora já estivesse vacinado para esse tipo de reação do chefe, saiu rapidamente em auxílio do Comodoro. Este não se conteve:
  – Vem assumir logo o lugar porque eu não entendo esses gringos não.

E foi se levantando, para espanto geral. Os representantes dos outros países estavam confusos. Só que Jaime não podia substituir Rubem por não estar credenciado para tal.

O administrador da delegação brasileira teve uma ideia repentina. Soprou ao ouvido de Rubão, sugerindo-lhe deixar repentinamente o local sem ao menos dizer até logo. O chefe da delegação brasileira, que estava doido por isso, seguiu sem pestanejar o que lhe foi sugerido.  Coube a Jaime explicar, fajutamente, à Mesa:
– Ele sentiu um mal-estar terrível e foi para o hotel descansar, pois não tinha condições de permanecer na reunião.
– Si, como non? – acatou o presidente da sessão, que rapidamente convocou o segundo secretário da Mesa para assumir a vaga. E a reunião prosseguiu, com moderação, sem gritos e sem gesticulações.

Estádio Modelo  Alberto Spencer (Reprodução internet) 


Comentários