SELEÇÃO CACARECO (14)




ESTREIA VITORIOSA E POLÊMICA PELO BICHO

Finalmente veio a abertura do Campeonato Sul-Americano Extra. No sábado 5 de   dezembro de 1959, à tarde, o Estádio Modelo, de Guayaquil   estava lotado. Inicialmente houve o desfile das delegações.

Coube ao massagista João de Maria, um ex-jogador do Santa Cruz, a honra de conduzir garbosamente a bandeira do Brasil. Já seu companheiro Edmundo Lopes, do Estudante, clube localizado no bairro recifense do Barro, situado na Zona Oeste da cidade, levava, orgulhosamente, à altura do peito esquerdo, a miniatura do rinoceronte Cacareco, o símbolo da Seleção.

À noite, a Seleção Cacareco, vestindo a camisa nacional, fazia sua estreia, enfrentando o Paraguai, o time das camisas alvirrubras, fazendo lembrar o Náutico e o Bangu, conforme havia afirmado o técnico Gentil Cardoso numa preleção aos atletas.

Cumprindo o cerimonial houve a execução dos hinos dos dois países, a cargo de uma banda militar. Os jogadores da Cacareco foram delirantemente aplaudidos porque não se limitaram a ouvir a banda tocar, mas cantaram o Hino Nacional Brasileiro do começo ao fim. Os aplausos da torcida equatoriana atestaram o acerto do treinador em providenciar as aulas musicais nos preparativos da Seleção.

Antes do jogo havia alguma apreensão entre os atletas, mas a Canarinha derrotou   o Paraguai por 3x2.

ARRASO DE ELIAS E “HAT-TRICK” DE PAULO
Foi uma partida emocionante, e o ponta-esquerda Elias, o baiano Elias Caixão, do Náutico, constituiu-se na maior figura do jogo, merecendo muitos elogios da imprensa sul-americana. Porém, o centroavante Paulo foi decisivo, assinalando todos os gols brasileiros.
O Brasil dominou o primeiro tempo e foi para o vestiário, no intervalo, vencendo por 2 x 0, gols de Paulo, aos 22 e aos 40 minutos.

O centroavante Paulo (D) estreou fazendo três gols (Reprodução)


Na etapa complementar, Silvio Parodi marcou os dois tentos paraguaios, tendo sido um de pênalti, e Paulo voltou a balançar a rede guarani, fazendo o que hoje é chamado de “hat-trick”, quando o jogador marca três gols numa partida. A arbitragem foi do equatoriano   Boanerges Caballo.

Brasil: Waldemar; Zequinha, Edson   e   Givaldo;   Biu   e   Clóvis; Traçaia, Zé de Melo (Tião), Paulo, Geraldo e Elias. (Embora tivesse levado os laterais direitos Bria e Geroldo, o técnico Gentil Csrdoso preferiu improvisar o zagueiro central Zequinha na posição).
Paraguai: Aguillar; Gonzaga, Monin e Vilalba; Aguirre e Lescalud; Benitez (Jaro), Insfan, Muñoz, Cabral e Silvio Parodi.

Devido ao fuso horário equatoriano, de duas horas a menos, os pernambucanos ficaram até tarde da noite colados aos rádios, acompanhando as transmissões do jogo.

JOGADORES RECUSAM O BICHO
Estrear com o pé direito sempre causa alegria, principalmente quando se trata de uma competição internacional. Portanto, no dia seguinte à vitoriosa estreai brasileira, no Hotel Majestic, em Guayaquil, os brasileiros desfrutavam o triunfo, principalmente o vaidoso treinador Gentil Cardoso, que andava pelos corredores mostrando um largo sorriso.
E o tradicional quadro negro de Gentil, instalado na sala onde o técnico se reunia com o grupo, trazia uma frase não muito apropriada para o momento: “Não tire catota em público. É falta de educação”. Rubem Moreira reprovou a frase, que, como sempre fora escrita por Gentil, e mandou retirar o quadro.

Em dado momento, o animado, mas sóbrio ambiente da Cacareco, explodiu. Gentil Cardoso, achando que o bicho de dez dólares pela vitória sobre os paraguaios era irrisório – como qualquer técnico, ele recebia dobrado, – instigou seus comandados a recusarem o prêmio. O objetivo era forçar um aumento na premiação. O treinador argumentava, com muita razão, que se fosse a verdadeira Seleção Brasileira, jamais seria oferecida uma gratificação, para ele, tão insignificante.

O administrador da delegação, Jaime de Brito Bastos, e o tesoureiro De Francicis aguardaram a chegada dos jogadores ao refeitório para o café da manhã, convidando-os para receber o bicho.
 – Quero todo o mundo com dinheiro no bolso – havia determinado Rubem Moreira, desmanchando-se em felicidades.

O primeiro jogador abordado pelos pagadores foi o lateral-esquerdo Givaldo, que recusou o prêmio, sob esta alegação:

– Seu Gentil disse que a gente só recebesse bicho de 20 dólares.
 Rubem Moreira estava na cama quando foi informado daquela decisão. De cueca mesmo, como estava, saiu corredor afora, soltando seu palavrório impróprio para menores e invadiu o quarto de Gentil Cardoso, como uma bala, sem dar ao técnico nem tempo de respirar:
Rubão perdeu a elegância mostrada no desfie (Reprodução)


– Quem manda aqui sou eu. Você vai voltar pro Brasil, e tem mais uma coisa. Quem não receber o bicho vai ser punido. Na sua disparada verbal, como se fosse uma metralhadora, o intempestivo cartola, externando nervosismo ao quadrado, não deu o menor espaço para o treinador se explicar.  Enfurecido, berrou:

 – Jaime, convoca Edson (o capitão do time) pra uma reunião agora mesmo e passa um telegrama a Havelange (o presidente João Havelange, da CBD), pedindo um técnico.
A dupla missão foi rapidamente cumprida, e embora sem saber, pois achava que se tratava apenas de uma das costumeiras reações raivosas do cartola, Gentil Cardoso estava caindo.

ANTONINHO DE PRONTIDÃO
A CBD chegou a deixar de prontidão Antoninho, treinador das seleções de base do Brasil, e que em 1965, na fase do Hexa, dirigiria a equipe do Náutico no tricampeonato. Porém, a situação terminou sendo contornada, com o pedido de desculpas do ultrajado treinador. E os jogadores receberam a gratificação estabelecida pela chefia da delegação, tendo sido o treinador o primeiro a assinar a folha de pagamento.
Antoninho ficou só na expectativa (Arquivo do blog)



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