Quando o Náutico trouxe Gentil Cardoso, o Moço Preto

Por Lenivaldo Aragão 



 

Trecho de uma entrevista que fiz com o comentarista Luís Cavalcante para a revista Clássico.Com, abordando a contratação do técnico Gentil Cardoso pelo Náutico em 1960. O departamento de futebol do Alvirrubro era autônomo, formado pelo Grupo  dos Josés – Porfírio, Lessa, Cordeiro de Castro (Coca), Dourado e Moraes.

  


O relacionamento do cronista esportivo com dirigentes e jogadores mudou?

            Em tudo na vida sempre há mudanças. O que há de se estranhar, hoje em dia, é o tal treino privado, que não é nem privado nem secreto; é escondido, ou melhor dizendo, um treino em que não há nada a mostrar. De certa forma, o relacionamento da imprensa, com os clubes e a FPF, não chega a ser ruim. Pode haver uma divergência aqui ou ali, mas no todo não chega a ser ruim.

            Neste aspecto você sempre esteve acima do bem e do mal em Pernambuco, não é mesmo?

            Exatamente por não ter muita aproximação. Não sou muito de estar na casa deles ou no clube. Minha aproximação é só aquela necessária ou ocasional. Sempre respeitei todos eles. Tanto que entre os grandes cartolas de Pernambuco, os grandes dirigentes do futebol pernambucano, alguns foram meus amigos, de me chamarem para ouvir opinião. Eu me recordo, por exemplo, de Zé Porfírio, do Náutico. Um dia eu estava na Rádio Olinda, chegou seu compadre Morvan Dantas, dizendo que ele queria falar comigo urgentemente. Era lá dentro do Recife (o Recife Antigo), na sede do Banorte, e eu fui. Isso foi em 1960. Ele botou na minha frente uma relação. O Náutico estava bem no campeonato, mas o técnico terminou contrato e fez uma espécie de chantagem para renovar. E Porfírio, como não era de ceder a esse tipo de pressão, deixou- ir embora. Era o uruguaio Ricardo Diez. Aquela relação tinha oito nomes de treinadores, e Porfírio me pediu uma sugestão. “Desses aqui quem você traria para treinar o Náutico?” Eu respondi: “Não vou lhe dizer não porque o nome que eu disser aqui você não vai trazer.”  Ele disse: “Já sei, Gentil Cardoso, não é?”  “É”, respondi. “Acho que desses nomes aqui, o único que poderia solucionar o problema do Náutico, neste momento, seria Gentil Cardoso.” Ele disse: “Se você me ajudar e me apoiar, eu trago.” Eu disse: “Apoio total e irrestrito pra qualquer coisa.” Ele trouxe Gentil e o Náutico foi campeão.  Para quem não sabe do que estou falando, aquilo foi um tiro de misericórdia numa das manchas que o Náutico tinha na sua história, que era o racismo, o preconceito de cor. Negro não entrava nem na torcida, muito menos no clube ou na equipe. Isso foi importante porque, realmente, hoje o Náutico é esse clube de todas as cores. Mas tinha muita gente que gostava do Náutico e não podia torcer. Às vezes, não era nem negro, era moreno. E eu tenho a satisfação de ter ajudado Porfírio a trazer Gentil Cardoso e de ter tido sorte porque o fato de o Náutico ter sido campeão com Gentil favoreceu muito a queda do racismo. Ele era recifense da Torre e se denominava o Moço Preto.

 

 

Comentários