UM ENCONTRO HISTÓRICO

       




Por  Lucídio José de Oliveira




Pelé na comemoração do milésimo gol (Foto: Internet)
 

Nesses 80 anos já vividos, eu um pouco mais que Pelé, tivemos apenas um encontro. Trocamos   apenas   palavras   formais, um “boa noite” ou   coisa parecida. Vi Pelé jogar mais de uma dezena de vezes. Aqui no Recife – na Ilha ou no Arruda, também no Maracanã, no   Pacaembu, no   Morumbi.

Suponho que merecia mais. Nem sempre, saí de campo satisfeito, frustrado algumas vezes. Pelo resultado e pelo pouco que vi. O muito que vi do Rei, todo mundo viu. Foi pela TV. O encontro pessoal foi em um hotel no Rio. Eu conto como foi.

Estava no Rio de Janeiro, tendo chegado na cidade naquele mesmo dia. Viagem cansativa, de Recife ao Rio dentro de um Douglas DC3, mais de seis horas de voo. Escolha não apenas ditada por economia, mais em conta para quem estava começando... Mas também pelo desejo de conhecer as cidades, ainda que de cima do avião, ver mesmo como era Maceió, Aracaju,

Salvador, Ilhéus, Campos. O bimotor da Real era um caso, não podia ver um terreiro lá embaixo... Descia, e tome desce, levanta. 

Nildinha estava em minha companhia, o hotel era o Novo Mundo na Praia do Flamengo, início   dos   anos   60, mês   de   fevereiro.   Ainda   não   havia o aterro. Era um sábado à noite. Na portaria do hotel, aproximo-me do balcão para pegar a chave do apartamento. Já era tarde, passava das onze horas da noite. Ao meu lado, de costas para mim, o Rei Pelé. Um menino. Pouco mais de 19 anos, mas já campeão do mundo. À sua frente, um microfone. O prefixo identifica a estação: Rádio Panamericana de São Paulo. Segurando o microfone, o radialista, ninguém  menos que Leônidas da Silva. Comentarista e repórter da emissora paulista. O eterno Diamante Negro.

Encontro, como   se   vê, histórico. Faltou a foto da ocasião. A máquina fotográfica ainda não era a companheira inseparável de tempos depois. Ainda não ocupava o espaço soberano, onde passou a reinar absoluta até a chegada do celular, este ainda mais presente e de maior serventia.

Conversavam os dois, Leônidas e Pelé, e se preparavam para a gravação de uma matéria. Deu para ouvir de que falavam, da recente renovação de contrato de Pelé com o Santos, a primeira na vida profissional do jogador. Tendo assinado o primeiro contrato em 1956, com pouco mais de 16 anos, estava agora renovando-o por mais cinco anos, numa prova inconteste de que o casamento com o Santos seria para todo o sempre. E foi. Pelé só largou o Santos no final da carreira por um breve tempo, seduzido pelos dólares do Cosmos. Estava explicando os detalhes do novo contrato por mais cinco anos de vigência, uma eternidade naqueles idos.

Foi   um   desses   acasos   da   vida.   O   encontro   com   Pelé   e   Leônidas     foi possível   porque   era   véspera   da   decisão   do   Campeonato   Brasileiro   de Seleções do   ano   anterior.   O   campeonato   invadira   o   novo   ano, como costumava acontecer com as competições nacionais naquele tempo. Tempo sem pressa, o calendário do futebol invadia o ano seguinte, tudo ficava para depois.

Tínhamos chegado ao hotel no início da tarde. À noite fui surpreendido no restaurante do próprio hotel com tantas caras, figurinhas carimbadas de uma só vez. Em uma mesa ao lado, vejo gente conhecida de jornais e revistas: Paulo Machado de Carvalho, Mendonça Falcão, Aimoré Moreira. Em outra reconheço Gilmar, Zito, o massagista Mário Américo. Olha só, aquele   ali   é   o   grande   Júlio   Botelho, o   extraordinário   Julinho...   Que coincidência! Formiga,  Pepe   e,   ele,   Pelé!   A   seleção   paulista   ao   vivo, concentrada   no   Hotel Novo   Mundo   para   o   jogo   de   amanhã   contra   os cariocas!

O encontro com Pelé se deu mais tarde, na volta de um giro pelo centro da cidade – a obrigatória esticada à noite pela Cinelândia de antigamente, cinemas e teatros com as novidades da época. Foi na hora de pegar a chave do apartamento.  Tínhamos   ido   pra   cidade caminhando.   Praia   do Flamengo, Alto da Glória, Passeio Público, Praça Paris. A volta de bonde, tomado na Senador Dantas. Um bonde aberto, de cor verde, linha Águas Férreas. Parava bem defronte, era descer do estribo e pegar a calçada no acesso do amplo saguão do Novo Mundo. Na portaria, apenas o civilizado boa-noite de boas maneiras como manda o manual. Eu era tímido demais para puxar um papo. Se ao menos fosse um de cada vez, Pelé ou Leônidas...Mas os dois na mesma hora!

Na tarde seguinte, no domingo, o jogo no Maracanã. Paulistas 2x1, São Paulo campeão brasileiro.   Eu   estava     com   Nildinha   nos   degraus   da arquibancada. Mas isso é outra história. Na volta do Maracanã, complicada, público de mais de 100 mil, demos de cara com Gilmar no elevador. Tinha ido ao hotel, sozinho, apanhar uns pertences que esquecera, foi o que me disse. A turma toda saíra direto do Maracanã para o aeroporto. A maioria, jogadores do Santos, com destino a Santiago do Chile, onde o time de Pelé tinha compromisso. E eu, contando com a confraternização pelo título no restaurante do hotel... São Paulo era tetracampeão brasileiro! Teria hoje guardado, ao menos um autógrafo de Pelé, pronto para exibir aqui agora. Quem sabe uma foto histórica, pousando ao lado do Rei?

 

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