Em 08/11/2007, o radialista
José Bezerra, que nos deixou neste domingo (11/04/2021), carinhosamente tratado
como o “Príncipe de São Caetano”, numa dupla homenagem ao profissional e à
cidade onde nasceu, concedeu esta entrevista ao radialista e historiador Jorge
José B. Santana, que editou o livro “O Rádio Pernambucano Por Quem o Viu
Crescer”.
MISTURA FINA
Eu sou José Bezerra Filho,
nome artístico José Bezerra, filho de José Bezerra Sobrinho, nascido em 11 de
dezembro de 1942 em São Caetano, Pernambuco. Ainda estudante em Caruaru,
comecei minha vida em rádio, na Difusora e, depois, na Cultura do Nordeste já
como funcionário. No Recife trabalhei na Olinda por 15 anos e na Clube por mais
dez. A certa altura tive que trocar o rádio pela Sudene, onde entrei em 1963
como datilógrafo e cheguei, em 2001, a diretor de administração geral, cargo
que me deu a oportunidade de ter cerca de quinhentos funcionários sob o meu
comando.
LEVADO PELO PROFESSOR
Na minha turma no Ginásio
Sete de Setembro, em Caruaru, havia um locutor da Rádio Cultura do Nordeste
chamado Souza Pepeu, o primeiro a usar o telefone no ar em Caruaru. Era
professor de História e sempre queria que um aluno lesse em voz alta e de pé o
assunto do dia. Certa vez Pepeu me disse: “Bezerra, você lê bem, quer ser
locutor?”, e me levou para a Cultura, onde fiz um teste com o saudoso Luiz
Mendonça, teatrólogo famoso. Isso em 1959. A programação era eclética, radiojornalismo,
esportes, participação do ouvinte, reportagens de rua, e eu fui encaixado nela.
Fiz de tudo, inclusive programa de estúdio, ao lado dos saudosos Lenildo Lira, Adelmo
Cunha e Mac Dowel Holanda. Cordovil Dantas, cronista esportivo, era o chefe da
equipe de esportes, na qual eu também tive participação como apresentador de
resenha. Virei profissional em, abril de 1961.
BOA MEMÓRIA
Quando vim para o Recife,
por falta de faculdade em Caruaru, procurei emprego nas emissoras daqui. Eu e
Adelmo Cunha chegamos aqui na mesma época e fomos morar na mesma pensão. Na
Rádio Jornal, Amarílio Niceas me colocou em alguns horários noturnos em que
havia carência de locutores. Nesse ínterim houve uma vaga para mim na Rádio
Olinda e outra para Adelmo Cunha na Rádio Tamandaré, mais ou menos em 63. Na
Olinda, então dirigida por Valdir Alves Coelho, também diretor da Planalto, de
Carpina, eu fazia programa de estúdio e apresentava noticiários. Na escolha dos
melhores do ano de 65 fui eleito o melhor noticiarista de rádio. Mas desde
abril de 63 eu já estava também na Sudene.
APRENDIZADO E VIAGENS
Especializei-me em esportes
na Rádio Olinda, onde aprendi muito com Gilson Correia, José Leal, Aldir Doudement,
Ivan Lima, João Batista, Vicente Lemos e Antônio Menezes. Na época eu era um
grande admirador do narrador Edson Leite, que marcou a Copa do Mundo de 58. A
área de esportes me deu oportunidade de conhecer quatro continentes, ainda na
Rádio Olinda. Quando a Olinda parou com o futebol, em 78, fui convidado por
Barbosa Filho para trabalhar na Clube, onde já estavam Roberto Queiroz e Ralph
de Carvalho. Viajei, então, pelo nundo, cobrindo eliminatórias de Copas do
Mundo, Libertadores da América, campeonatos nacionais, Taça Brasil, finais de
campeonatos cariocas e paulistas, excursões da Seleção Brasileira e de clubes
locais.
NARRAR É MELHOR DO QUE COMENTAR
Peguei toda a fase de Pelé,
desde 1960. Vi todos os grandes jogadores de perto, todas as estrelas do
futebol brasileiro e mundial também aqui no Recife em jogos internacionais. Ainda
tenho paixão pela narração de futebol. Faz um ano que eu só comento, fui
guindado a essa função de comentarista sem ter me preparado para ela, apenas
pelo crédito que me foi dado por Aderval Barros, meu amigo. Ele me disse: “Bezerra,
você tem tudo para ser comentarista”, e assim, repentinamente, me tirou de
narrador para comentarista da equipe da Clube, que ele montou. Ainda não me
sinto um comentarista e a paixão pela narração continua. Mal acredito que parei
de narrar.
MERCADO E OPORTUNIDADES
Na área esportiva do rádio a
renovação de pessoal demora muito a acontecer. Eu coordeno um projeto na
Universitária AM de preparação de futuros cronistas esportivos, universitários
de jornalismo e radicalismo que querem se especializar em esportes, a partir do
5º período. Mas é um aproveitamento muito pequeno, pois o mercado não oferece
oportunidade para todos. Inclusive porque o público aceita com muita satisfação
os veteranos na crônica esportiva pernambucana, repórteres, narradores,
comentaristas e por aí vai.
DO RÁDIO PARA A SUDENE
Pedi demissão da Rádio Clube
por causa de minha vida na Sudene, onde entrei em 63. Por volta de 88, fiquei
sem tempo para as viagens de cobertura. Muita gente fala que serviço público é
uma mamata, mas não é. Na verdade, é uma mamata só para quem não quer
trabalhar. Tinha chegado o meu momento de ficar fora do rádio. Fui adjunto de Comunicação
da Sudene quando Eduardo Ferreira foi convidado pelo superintendente Dorany
Sampaio para coordenar essa área naquela instituição. Na saída de Dorany,
Eduardo não quis continuar e fiquei respondendo interinamente pela coordenação.
O novo superintendente, Paulo Souto, que depois foi governador da Bahia e
senador, me efetivou como coordenador de Comunicação. Também fui chefe de gabinete
da Superintendência, pela qual cheguei a responder interinamente. O que fez a
Sudene desaparecer repentinamente do mapa foi o péssimo assessoramento do
presidente Fernando Henrique Cardoso, emprenhando pelos ouvidos. De uma canetada só, ele excluiu dois órgãos
importantes de duas regiões pobres do Brasil. Havia problemas de corrupção na
Sudam, que ainda hoje ecoam negativamente, mas a Sudene fora saneada pelo general
Nilton Rodrigues Moreira, para quem eu tiro eu chapéu até hoje. Ele fez essa
limpeza completa na Sudene, que não podia ter sido extinta como foi a Sudam. Agora
a Sudene foi reativada. Esperamos que volte aos bons tempos.
RÁDIO UNIVERSITÁRIA AM
Em 2001 fui para a Rádio
Universitária, onde o professor Luiz Maranhão Filho realizava uma programação
voltada para a MPB, apoiado num alentado acervo de discos de vinil. Depois dele
entrou Genival Ferreira, a quem substituí em seguida na direção da
Universitária. Por falta de dotação orçamentária, a UFPE dá pouco apoio às suas
emissoras de rádio e TV, que sobrevivem com muita dificuldade. Não há projeto
para o sistema digital que chega. O transmissor de rádio AM ainda é de válvula,
com uns 40 anos de vida. Com um apoio dali e outro daqui, a gente vai se
modernizando, informatizando a programação. Uma das instituições que nos ajudam
é a Receita Federal, com equipamentos apreendidos que se encaixam nas nossas
necessidades, como mesa de áudio, microfones, fones, gravadores.
CASAMENTO E FELICIDADE
Casei-me em 1967. Com
Raminha eu me casaria de novo para viver mais 41 anos. Tenho três filhos. A primogênita,
Daniele, é formada em serviço social, a mesma profissão acadêmica da mãe.
Daniele me deu uma neta, de quem me sinto o próprio pai. Sou feliz, graças a
Deus. A minha felicidade é não ter problemas em casa, no trabalho, na rua, nem
em lugar algum aonde eu chegue, embora eu não ceda um milímetro naquilo que
considero meu direito legítimo. A minha felicidade é ver meus três filhos
criados e bem encaminhados. Meu filho, José Bezerra Neto, nascido em 1974, é
cheio de ideais que afloraram antes de ele completar seus 15 anos de idade.
Quis ter uma moto, que eu neguei. Reagiu dizendo que na maioridade ele juntaria
dinheiro para compra-la. Um dia levei-o à Ponte Motocolombó para mostrar o
estrago que eu tinha presenciado: um motociclista de 21 anos morto. Fiz isso
para tirar-lhe da cabeça a ideia da moto. Amante dessas coisas radicais, ele
aprendeu paraquedismo, pilota avião monomotor e agora, aos 34 anos de idade,
pretende completar a carreira de piloto de aviação comercial. Mantém o ideal dele.
Viveu por seis anos e meio em Bonston, onde, por falta de recursos, não pôde
estudar mecânica de avião a jato, um curso muito valorizado na Europa e nos
EUA. Voltou frustrado e hoje mora em São Luís, Maranhão. É casado e me deu uma
neta.
CONHECER O MUNDO
Realizei os meus sonhos. Desde
criança eu sonhava em partir para o desconhecido, o que se materializou na
minha carreira de locutor esportivo. Meu pai deixou seus onze filhos na porta
da faculdade, a partir de um pequeno comércio na cidade São Caetano-PE. Eu nem
imaginava que iria ter chance de conhecer o mundo, à exceção da Oceania. Estive
em países totalmente estranhos, aparentemente hostis, mas nunca passei vexame. Mesmo
em ilhas de prisioneiros, no Caribe. Saía sozinho de avião de uma para outra. Estive
em Barbados, Trinidad e Tobago, Santa Lúcia e saí conhecendo o mundo.
RELIGIÃO E CLUBE ESPORTIVO
Sou de formação católica, de
quando a gente ia à missa aos domingos por obrigação, e em maio estava na
igreja todas as noites. Meus pais, já na velhice, se ajoelhavam na sala de casa,
acompanhando a missa pela televisão. Mesmo assim não sou católico praticante.
Desde criança eu sou admirador do Clube Náutico Capibaribe. Quando me tornei um profissional da crônica esportiva,
o fervor passou, mas nunca deixei de admirar as cores do Náutico.
GANHOS E PERDAS
A crônica esportiva
pernambucana teve, no passado, muita limitação para trabalhar, a partir das
emissoras de rádio e empresas que bancavam as equipes esportivas. Hoje, aqui em
Pernambuco, só a Rádio Jornal tem a sua. As outras equipes são terceirizadas e
com isso há uma perda muito grande para o profissional, porque essa terceirização
limita muito o investimento demandado.
CONJECTURAS
O rádio e a televisão
continuam sendo instrumentos de sedução. Um exemplo: se uma TV anunciar que
precisa de profissionais para trabalhar sem salário, vai ter fila de gente na
porta, dando muitas voltas na rua. O mesmo aconteceria no rádio ainda hoje.
Cada vez mais exigentes, telespectadores e ouvintes se dão ao direito de ligar
para a emissora e discutir no ar e fora do ar, com o profissional. Vivi a era
dos programas de rádio montados, todos escritos. Hoje, a programação é toda improvisada. Um
programa esportivo de agora tem apenas os pontos a serem debatidos. O resto
fica por conta da competência de cada participante. Para mim, isso não afeta a
qualidade, porque faz o profissional evoluir. Observo isso nos próprios
estudantes de jornalismo. Micheli Loreto, por exemplo, uma estagiária da Radio
Universitária AM, que só sabia o que era um gol quando a bola chegava na rede, se
desenvolveu tanto, que hoje trabalha na Globo de São Paulo, no “Bom Dia, Brasil”.
HUMILDADE E RESPEITO
Digo a quem realmente tenha
na veia essa força de querer enfrentar o batente do rádio, da televisão ou do
jornal, que não desista nunca. Um bom jornalista, como qualquer outro
profissional liberal, sempre terá espaço para trabalhar. Vale somar
conhecimento científico da academia com a prática adquirida no batente. Eu tive
o privilégio de aprender com mestres que ainda hoje cultuo pela sua grandeza. O
meu amigo Jorge José é um deles, ao lado de outros que não posso esquecer:
Miguel Santos, Luiz Cavalcante, Barbosa Filho, Jota Soares e tantos outros. De
cada um eu aprendi muito.
Republicado no meu Blog
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