BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 AGNALDO,  DEMÔNIO DO RINGUE E A PRISÃO DA BOLA

 




O Botafogo de Futebol e Regatas, com o cantor Agnaldo Timóteo a tiracolo, estava excursionando pelo Nordeste, com um time misto, e foi enfrentar o Veneza, da cidade baiana de Juazeiro, localizada à margem direita do Rio São Francisco, separada da pernambucana Petrolina apenas por uma ponte. Era um pacote, uma vez que o contrato previa um show de Agnaldo no intervalo do jogo.

Por coincidência, Armindo Tavares, na época assessor de arbitragem da Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol (Ceaf) e professor da Federação Pernambucana de Futebol, encontrava-se em Petrolina dirigindo um curso para os árbitros das duas cidades. Foi convidado pelos cariocas para apitar o amistoso, mas terminou sendo descartado por ter pedido a taxa estipulada pela CBF, considerada muito alta pelos botafoguenses, em se tratando de um amistoso. Assim sendo, a tarefa foi confiada a um juiz local conhecido como Demônio do Ringue. Fora do ringue e do gramado era porteiro de cinema (com uma figura como essa, alguém ousaria ludibriar a casa exibidora?).

Estádio cheio, bola em jogo, o Botafogo começou a chiar com o árbitro e seu auxiliar Nego Pedro. Este sempre paralisava as investidas dos botafoguenses com impedimentos, cuja marcação os visitantes contestavam. O técnico Neca (em priscas eras chegou a defender o América do Recife, mostrando grande classe, como meia), levantava-se, sentava-se e, na falta de outro, desabafava com Armindo Tavares, que estava no reservado das autoridades, assistindo à partida.

– Sou apenas espectador, não tenho nada com isso – defendia-se Armindo.

Melhor em campo, o Botafogo terminou fazendo 1 a 0, gol de Nei Conceição, com um chute de fora da área. Como não poderia deixar de ser, no segundo tempo o time da casa partiu para cima em busca do empate, forçando o adversário a recuar. A nova postura botafoguense irritou profundamente Nei Conceição, que, a certa altura soltou um palavrão, dirigido a um companheiro que não estava correspondendo. Foi o suficiente para Demônio do Ringue fazer aquele gesto escandaloso, característico dos árbitros autoritários, apontando o caminho do chuveiro a Nei Conceição.

– No meu jogo eu quero respeito – disse alto e bom som Sua Senhoria.

Criou-se um bafafá sem tamanho dentro de campo porque o Botafogo não aceitava a expulsão. Com seu jeito espalhafatoso, Agnaldo Timóteo, que chefiava a delegação, entrou no gramado determinado:

– Tira o time de campo!   

Tira, não tira, a confusão aumentou e, no fim das contas, a equipe carioca estava reduzida a sete jogadores porque juntamente com Nei Conceição, mais três, que se revoltaram contra o juiz também haviam sido expulsos.

Mostrando-se cada vez mais decidido a sair de campo, o Botafogo era advertido por um capitão que comandava o policiamento, de que sua cota

ficaria retida por desrespeito ao público, se o ato de retirada se consumasse. Ora, o time carioca estava varando o Sertão, justamente em busca de alguns trocados, e ficar sem o dinheiro do jogo, nunca – raciocinavam Agnaldo e Neca. Por sua vez, a torcida exigia a continuação do espetáculo. Neca quis saber quantos minutos faltavam.

– O juiz sou eu – respondeu rispidamente Demônio do Ringue.

Como o chefe do policiamento também queria saber, Demônio informou meio a contragosto:

– Faltam dez minutos, com os descontos.

Coagidos pelo grandão da polícia e pelo público, os cariocas resolveram ir até o fim, mesmo em situação tremendamente desigual. Neca, porém, teve a preocupação de perguntar ao capitão se ele garantia a ordem. A resposta foi positiva.

O Botafogo não teve outra saída a não ser plantar-se na defesa. E tome bola pra frente a fim de ver o tempo passar. O Veneza atacava e seu centroavante Pentelho (esteve com um pé no Sport, mas já com o apelido de Cabelo), a cada jogada na área atirava-se ao chão cavando um pênalti. Já haviam se passado 18 minutos e o técnico botafoguense cobrava o fim da partida. A duras penas, o Botafogo ia garantindo a vitória. Mas Demônio do Ringue não estava nem aí. Em dado momento, numa das quedas forçadas por Pentelho, o juiz marcou o pênalti esperado. Delírio da torcida e desespero de Neca.

– O senhor não tem moral não, capitão? – gritou o técnico do Botafogo, ferindo os brios da autoridade policial.

Enquanto isso, a confusão rolava solta na área do Botafogo. O goleiro caía, fingindo uma contusão para evitar a cobrança. O juiz levantava-o, na marra, mas ele espatifava-se no chão novamente. O árbitro voltava a erguê-lo e tome queda outra vez. Uma esculhambação!

Essa pendenga parecia não ter fim. Alheio ao que acontecia, Pentelho esperava calmamente, com a bola na marca da cal, pronto para desferir o petardo fulminante. Só que a turma do Botafogo não permitia. E haja balbúrdia. Foi quando o capitão chamou um sargento e lhe deu uma ordem. O sargento colocou os soldados em forma e marchou decidido em direção à barra da catimba. Agora vai, vibravam os torcedores do Veneza, já antevendo a cobrança da penalidade máxima. Por sua vez, Demônio do Ringue julgava-se cada vez mais dono da situação.

– Quero ver se vocês não vão deixar bater o pênalti. A polícia tá aí pra me garantir – disse aos botafoguenses, em tom de provocação.

Sem maiores delongas, o sargento foi direto ao cumprimento da missão:

– Demônio, o capitão mandou buscar a bola!

Diante do espanto do árbitro, que alegou a necessidade da cobrança da penalidade máxima, o de farda sentenciou:

– A bola tá presa!

Dito isto, apanhou a pelota e saiu desfilando garbosamente com ela debaixo do braço, como se estivesse conduzindo um troféu de guerra.

Já o transtornado Demônio do Ringue não teve alternativa a não ser dar o jogo por encerrado. Sem a cobrança do pênalti...

(Este artigo, intitulado Bola Presa faz parte de meu livro Comigo ou Sem Migo)  

  

  

  

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