BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

Sherlock surra torcedor e quase faz o tabuleiro de Barulho voar


Sherlock marcou época na arbitragem nacional

 

Jogo Náutico x América, nos Aflitos. Como sempre fazia, o ex-árbitro Argemiro Félix de Sena, o popularíssimo Sherlock, estava sentado diante das sociais, no local onde fica o delegado da partida. Assistente técnico do antigo Departamento de Árbitros, hoje Ceaf (Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol), o Detetive, como também o tratavam, era, na realidade, quem dava as cartas na arbitragem. Respeitavam seu passado e sua carreira. Fora o primeiro árbitro pernambucano a integrar o quadro da Fifa. E o que mais apitou, segundo o pesquisador Carlos Celso Cordeiro. Foram 353 partidas, de 12 de maio de 1935 – Sport 5x4 Náutico, pelo Campeonato Pernambucano, a 2 de junho de 1963, Igarassu 1x1 Pesqueira, pela Copa do Interior. Aliás, a escola de arbitragem da FPF leva o seu nome. Homenagem justíssima.

Sherlock mandava e desmandava na arbitragem. Escalava a desescalava. Suas decisões eram incontestáveis. Do seu posto de observador, fosse o jogo também no Arruda ou na Ilha do Retiro, acompanhava todos os passos do juiz e dos auxiliares, como se fosse um VAR humano. Só que sua opinião sobre determinado lance era dada depois, pessoalmente, ao árbitro e auxiliares, elogiando-os ou espinafrando-os, para usar um termo bem seu.

Falando pausadamente, tinha a voz era ao mesmo tempo engraçada e aterrorizante, sempre carregando na ironia. Explícito ao extremo, chegava em dado momento até a mergulhar na História para expor seu ponto de vista. Não tinha formação superior, mas era bem informado, pois a leitura era quase que uma obrigação em sua vida. Não eram poucas as vezes que o impaciente Rubem Moreira, o presidente da Federação, estourava com ele.

– Sherlock, tu és muito prolixo. Conta essa porra logo de uma vez – dizia Rubão, explodindo com as suas delongas.

Naquele Clássico da Técnica e da Disciplina, como era conhecido o encontro Náutico x América, um torcedor colocado nas sociais dos Aflitos, berrava a todo momento, dirigindo-se a Sherlock, com críticas à arbitragem, tipo “esse juiz é muito fraco, Sherlock.” “Sherlock, esse juiz tá acabando com o Náutico.” Isso o jogo todo.

O Detetive, já subindo pelas paredes, virava-se para trás e mirava o tal torcedor, de camisa vermelha e boné. Um pouco surdo, Sherlock não captava claramente a mensagem, mas ouvia perfeitamente a citação de seu nome. Ao seu lado, Clayton Beltrão, um dos árbitros da FPF, emérito gozador, que estava de folga naquela noite e apenas assistia ao jogo.

 – O que é que esse facínora tá gritando aí atrás?” – perguntou Sherlock, no seu linguajar corriqueiro.

A resposta de Clayton, na base da gozação, veio apimentada:

– Ele tá dizendo que você é ladrão, que preparou tudo pra tomar o jogo do Náutico.

Como se Clayton não o conhecesse, Sherlock passou a explicar-lhe:

– Minha vida é um livro aberto, todos conhecem e sabem que jamais eu me envolveria em qualquer ato excuso ou desabonador. Isso deve ser um desajustado, um frustrado que vem ao estádio dar vazão a seus recalques, assacando contra a honra alheia.

A bola continuava rolando. O homem sem parar de xingar. E Clayton dando corda a Sherlock. Este resmungava e só faltava pipocar de raiva, com as verberações do torcedor. Clayton Beltrão, embora demonstrasse seriedade, fazia esforço dobrado para poder conter o riso.

Jogo finalizado, vitória apertada do Náutico, Sherlock vai saindo, quando na descida das sociais, aparece à sua frente o torcedor que o tinha tirado do sério, com um apelo dramático e piedoso:  

 – Sherlock, não escale mais esse juiz para jogo do Náutico, que ele é muito fraco.

Mal terminou de falar, foi raivosamente replicado pelo homem forte da arbitragem pernambucana:

– Quem é você, seu elemento deletério pra chamar ninguém de ladrão? Eu joguei, capitaneei e  treinei o Santa Cruz,  remei também pelo Santa Cruz, fui árbitro da Federação, da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e da Fifa e nunca alguém teve a ousadia de me chamar de ladrão.

Para surpresa geral, inclusive de Clayton Beltrão, que havia botado milonga na cabeça do chefe, Sherlock desferiu um soco na cara do desavisado alvirrubro, que saiu aos trambolhões, quase derrubando o tabuleiro de cachorro quente de Barulho, uma figura tradicional nos jogos do Náutico. A confusão estava formada. A turma do deixa-disso entrou logo em ação e serenou os ânimos. Aliás, o ânimo de Sherlock. A vítima deve ter ficado se perguntando qual a razão de ter levado aquele chega-pra-lá.

 

Barulho, figura tradicional nos Aflitos

Só depois, muito depois, é que Clayton contou a Sherlock que o homem em momento algum lhe chamara de ladrão e que tudo não havia passado de uma brincadeira sua. Achava que o assunto morreria ali, com o fim do jogo e não iria adivinhar que haveria aquele encontro inesperado entre o irritado homem da arbitragem e aquele cândido torcedor timbu.

            Coisas do futebol pernambucano, como diria o saudoso Edvaldo Morais...   

 

 

 

 

Comentários

  1. Kkkkkkkkkkkkkk, amigo Lenivaldo. Creio q vc estava presente(no pé da conversa) ou assistiu em algum vídeo, pq foi bem assim, exceto q ñ contei ao "chefe" q era brincadeira, daí, perderia a credibilidade pra "atiçar" outras tantas "brigas".kkkkkkkk, porém, em tdas elas, Sherlock dava a 1a tapa, daí, eu interferia, segurando ele e acalmava os ânimos. Depois ele ficava se queixando: "Clayton, na hora da confusão ñ me agarre, agarre o outro cara senão ele me pega"kkkkkkkkk

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  2. Qdo possível, publique aquele fato qdo fiz o nosso querido Edgar Bione "dar uma" de médico num jogo em Caruaru. Saúde! Abç!

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