SELEÇÃO CACARECO (03)

 EQUIPE INICIA A VIAGEM RUMO AO EQUADOR

 



Dia 27 de novembro de 1959. O Aeroporto dos Guararapes, que tinha sido inaugurado fazia poucos anos, regurgitava, com gente por todos os lados. Era um dia festivo. Dentro de pouco tempo, embarcaria a Seleção Cacareco rumo ao Rio de Janeiro. Lá, três dias depois tomaria o avião que a levaria ao Equador, local do Campeonato Sul-Americano Extraordinário em Pernambuco representaria o Brasil. Ou seja, o azul e o branco da Terra do Frevo seriam trocados pelo verde e pelo amarelo da bandeira nacional.

Douglas DC 6 da Panair do Brasil


Antes da viagem tinham sido disputados três amistosos contra as seleções do Ceará, Alagoas e Sergipe. O primeiro realizou-se no Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza. Uma atração especial era a presença, na Cacareco, de dois jogadores locais, o lateral direito Geroldo e o meia Zé de Melo, ambos do Santa Cruz, o que foi destacado em manchete pelo jornal local O Unitário: “Tem cearense na Seleção”. Era mais uma maneira de chamar o povo para ver o amistoso.

O retrospecto do duelo Pernambuco x Ceará no Campeonato Brasileiro de Seleções era amplamente favorável aos visitantes. Em dez jogos, nove vitórias pernambucanas e um empate. Vejamos os resultados:

1925   Pernambuco 10 x 1 Ceará – Av. Malaquias / Recife

1926   Pernambuco 2 x 1 Ceará – Graças / Salvador

1929   Pernambuco 1 x 0 Ceará – Av. Malaquias / Recife

1931   Pernambuco 5 x 2 Ceará – Jaqueira / Recife

1939   Pernambuco 3 x 2 Ceará – Jaqueira / Recife

1940   Pernambuco 2 x 1 Ceará – Ilha do Retiro / Recife

1942   Pernambuco 1 x 1 Ceará – Presidente Vargas / Fortaleza

1942   Pernambuco 3 x 2 Ceará – Ilha do Retiro / Recife

1956   Pernambuco 1 x 0 Ceará – Aflitos / Recife

1956   Pernambuco 1 x 0 Ceará – Presidente Vargas / Fortaleza

Para ver a Seleção Cacareco, mesmo num jogo noturno, em meio de semana, o torcedor cearense lotou o PV.  Decepção total. Ao encerrar-se o primeiro tempo, Ceará 3, Pernambuco 0. Na segunda fase, os pernambucanos melhoraram, fizeram dois gols e continuaram a pressionar. Porém, o time da casa começou a fazer de tudo para assegurar a vitória. Cometia faltas seguidas e desnecessárias, ao mesmo tempo em que chutava a bola constantemente para as laterais a fim de ver o   tempo se esgotar.  Fim de jogo, Ceará 3, Pernambuco 2.

No Recife, o Diário da Noite de 14/11/1959 registrava o desapontamento da imprensa esportiva do Ceará. “Terminado o encontro de ontem – dizia o DN – a imprensa alencarina, usando os microfones, verberou contra a Seleção Pernambucana. A Ceará Rádio Clube puxou o cordão: ‘Não tem capacidade alguma. Não tem categoria para representar o   Brasil em Guayaquil.  É como disse há pouco tempo   a própria imprensa pernambucana, que chamou um escrete cacareco.’” 

Noutro amistoso, no Recife, contra a seleção de Alagoas, no primeiro tempo, Gentil Cardoso botou em campo a equipe titular, e no segundo entrou em ação o time B. Depois do jogo, o treinador de Alagoas   dizia que tinham sido 22 contra 11. Pernambuco aplicou uma goleada de 5x0, mas a torcida não gostou. Queria adversários que exigissem mais da Cacareco. Só assim a equipe poderia   ser   devidamente testada.

A fase de jogos-treinos foi encerrada contra o selecionado de Sergipe, na Ilha do Retiro, mesmo local da goleada sobre Alagoas. Pernambuco voltou a vencer por 5x0, e diante das reclamações sobre a fraqueza dos ‘sparings’, Gentil Cardoso lembrava que a Seleção Brasileira, na preparação para a Copa do Mundo da Suécia, em 1958, perdeu para um misto do Flamengo por 1x0, gol de um juvenil, Manuelzinho. Mesmo assim trouxe a taça.

A comitiva embarcou com esta formação:

Chefe da delegação - Rubem Rodrigues Moreira, presidente da Federação Pernambucana de Futebol

Delegados da CBD - Antônio Cordeiro (comentarista pernambucano radicado no Rio) e Ramos de Freitas

Administrador - Jaime de Brito Bastos, superintendente da FPF

Secretário - Nilson Ramos Leal, dirigente do Santa Cruz

Tesoureiro- José de Francisci, que exercia idêntico cargo na FPF

Jornalistas convidados -  Adonias de Moura, do Diário de Pernambuco, e Jorge Costa, do Jornal do Commercio.

Médico - Laudenor Pereira, integrante do Departamento Médico da FPF

Técnico - Gentil Cardoso

Assistente técnico e preparador físico - Jair Raposo

Massagista - João de Maria

Roupeiro - Edmundo Lopes

Jogadores

Goleiros – Waldemar (Náutico) e Walter (Santa Cruz)

Laterais direitos – Bria (Sport) e Geroldo (Santa Cruz)

Laterais esquerdos - Givaldo (Náutico) e Dodô (Santa Cruz)

Zagueiros centrais - Edson (Santa Cruz) e Zequinha (Náutico) – nada a ver com o Zequinha, volante do Santa Cruz

Centromédios - Servílio (Sport) e Clóvis (Santa Cruz)

Médios volantes - Zé Maria (Sport) e Biu (Santa Cruz)

Pontas-direitas - Traçaia (Náutico) e Tião (Santa Cruz)

Meias direitas -  Zé de Melo (Santa Cruz) e Geraldo (Náutico)

Centroavante – Paulo (Náutico)

Meias-armadores - Moacir (Santa Cruz) e Goiano (Santa Cruz)

Pontas-esquerdas - Elias (Náutico) e Fernando (Náutico).    

Os jogadores vestiam calça cinza, camisa branca e gravata amarela, paletó azul e sapatos pretos. O que mais chamava a atenção era o corte de cabelos do elenco. Todos os atletas tinham a cabeça pelada pela metade, como se fossem recrutas.

CONTERRÂNEOS NO HOTEL

Ao desembarcar no Rio, onde passaria três dias, esperando o voo para Guayaquil, no Equador, a Cacareco foi recebida por pernambucanos influentes ali residentes. Ademir, que tinha começado sua carreira no Sport, aguardou os conterrâneos no Hotel Novo Mundo, onde a delegação ficou hospedada. Passou a haver um grande movimento no hotel, o que era comum ali, posto que o Novo Mundo recebia constantemente equipes de futebol das mais diferentes procedências, do Brasil e de outros países.  

O pernambucano Ademir desejando sucesso a Gentil Cardoso e à Cacareco


Enquanto esperava o momento de embarcar para o Equador, a Cacareco não ficou parada. Já no dia seguinte à sua chegada, realizava um treino leve no campo do Fluminense, no bairro das Laranjeiras, para desintoxicar. Logicamente, despertou a atenção da imprensa carioca, principalmente pela presença do sempre falante Gentil Cardoso e pelo apelido curioso de Seleção Cacareco.

Além de Gentil, o zagueiro Edson, do América carioca, e o centromédio Servílio, do Botafogo, mereceram a atenção da mídia. Ambos, como se sabe, tinham sido convocados para reforçar o elenco, juntamente com o centroavante Paulo, do Corinthians, e o ponta-esquerda Goiano, do Palmeiras.

O administrador Jaime de Brito Bastos, o popular Jaime da Galinha, recebeu da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) o material com as cores oficiais do Brasil, que seria utilizado no Equador, como camisas, calções, meiões etc. Naquele tempo os uniformes não tinham os nomes de patrocinadores, pois estes simplesmente não existiam. Nem também a identificação dos jogadores. Jaime foi à CBD acompanhado de Gentil. Voltou satisfeito, pois tudo o que pediu foi-lhe dado, e em grande quantidade.

O ÓLEO VAZOU

Em 30 de novembro de 1959, três dias depois da saída do Recife, a Seleção Brasileira chegava cedinho ao Aeroporto do Galeão, o atual Tom Jobim. Estava desfalcada do meia armador Moacir, do Santa Cruz, que se ressentira de uma antiga lesão. Foi examinado, no Fluminense, pelos médicos Laudenor Pereira e Paes Barreto, este um pernambucano que dirigia o departamento médico do tricolor carioca. Os dois chegaram à conclusão de que o alagoano não se recuperaria em tempo de ser utilizado no campeonato a ser disputado e recomendaram sua dispensa. Ao regressar ao Recife, Moacir disse, em entrevista, que seu desligamento tinha sido precipitado, posto que se achava em condições de ainda ser útil à Cacareco.

Vestindo o uniforme oficial de viagem da CBD, mesmo com jogadores em sua maioria desconhecidos no Sudeste, a Seleção Brasileira, de qualquer maneira, despertava atenção no Galeão, embora o movimento ainda fosse pequeno àquela hora do dia.

Às 6h50 decolava o DC6 D, prefixo LDF, de quatro motores movidos a hélice, da Panair do Brasil. Cumpriria a rota de 3.780 quilômetros, Rio-Lima, voo 55, conduzindo os representantes do futebol nacional.

– Todos estavam felizes pela oportunidade de defender o Brasil numa competição internacional – declarou o ex-ponta esquerda, hoje advogado aposentado Fernando José Florêncio Salvador – Fernando Bidé para os antigos torcedores do Comércio de Caruaru, e que mais tarde passou a ser tratado como Fernando José. Ele, que mora no bairro da Encruzilhada, no Recife, é um dos poucos remanescentes daquele grupo. 


Na capital do Peru haveria uma conexão de voo rumo a Guayaquil, no Equador para mais 1.144 quilômetros de voo. Quando o DC6 já sobrevoava Mato Grosso, surgiu uma surpresa desagradável. Um vazamento de óleo paralisou um dos motores, provocando um estampido amedrontador. Os jogadores, claro, ficaram amedrontados. A aeronave teve que voltar ao Rio, com escala no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

– O avião estava sem condições de sobrevoar a Cordilheira dos Andes e nós ficamos muito receosos – comentou Fernando.

Já em terra firme, o técnico Gentil Cardoso, fez uma engraçada declaração, bem à sua maneira, aos Diários Associados, no Rio.

– Quem sai na chuva está arriscado a se molhar. Da mesma forma, quem viaja de navio ou de avião pode morrer afogado ou cair lá de cima.

Procurando mostrar conhecimento de causa, o falante treinador explicou:

– Eu pertenci à aviação e no meu tempo a coisa mais esperada, por assim dizer, era um avião cair. Daí já se pode deduzir que não fiquei com os nervos à flor da pele, que não me afobei com o simples fato de o motor haver parado. Nós estávamos sobre Mato Grosso quando houve a pane do motor. Ninguém se afobou, ninguém chegou a ficar fora de si. Houve, claro, um medo natural, principalmente por parte de quem nunca havia passado por isso.

No aeroporto paulista, a Cacareco passou uma boa parte da manhã, só tendo embarcado para o Rio, depois das 12 horas. Chegou às 13.

A turma voltou a se hospedar no Hotel Novo Mundo, e só no dia seguinte, feito o reparo no motor danificado, é que o avião realizou a viagem, tendo a Cacareco chegado ao seu destino sã e salva.

Mas, numa delegação em que estavam juntos Rubem Moreira e Gentil Cardoso, o lado folclórico não poderia passar em branco. Ainda no Rio, o treinador chegou a fazer uma comunicação um tanto estranha ao Comodoro. Gentil andou falando em seguir noutro voo, separadamente. Seu plano foi reprovado por Rubão, de maneira seca, inflexível e direta:

– De jeito nenhum, se é pra morrer de uma queda de avião, morre todo mundo junto!

Rubem Moreira

DELEGAÇÃO DIVIDIDA

Ao descerem no aeroporto peruano, os brasileiros receberam uma notícia que causou alguma contrariedade. Segundo me contou o administrador Jaime de Brito Bastos, a aeronave que os levaria ao destino final já havia partido. É que o voo que os trouxera do Brasil tinha chegado a Lima com atraso. O jeito foi dividir o pessoal em dois grupos, acomodando-os em aviões menores, de carreira, que seguiram mais tarde para o Equador.

Rubem Moreira foi encaixado numa turma que viajou primeiro.  Na segunda em que predominavam os jogadores, ia Jaime, que levava passaportes e demais documentos necessários para o desembarque em solo equatoriano.

 

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