BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 UM BOI BRABO NO PERIQUITO


Ilustração de Humberto Araújo


Fim dos anos 70. O América ainda possuía uma equipe respeitável. Chegou até a participar do Campeonato Brasileiro, integrando a chamada Taça de Prata, que correspondia à atual Série B ou Segunda Divisão. A outra, a quente, era a Taça de Ouro.  Na Prata, entre outros, estava a poderosa Sociedade Esportiva Palmeiras. Havia até a possibilidade de o Periquito e o Porcão se encontrarem. Porém, embora o time paulista tenha passado de fase, o de cá, na época sediado em Jaboatão dos Guararapes, ficou no meio do caminho.

O Campeão do Centenário em certo momento foi dirigido por Schiller Diniz, um mineiro que havia aportado no Recife como jogador, tendo atuado pelos três grandes, e por aqui ficou. Era uma pessoa educadíssima, daquelas chamadas de gente de fino trato. Além disso, primava pela organização e meticulosidade com que agia. Ou seja, levava tudo muito a sério.

O clube contratou um jogador famoso no futebol das usinas, conhecido como Boi. O homem fazia horrores nos gramados da zona açucareira, principalmente no disputadíssimo Campeonato das Usinas. Com a bola nos pés, que o adversário saísse de perto. Era um verdadeiro ídolo para a matutada.

Numa preleção, Schiller Diniz disse aos jogadores que Boi passaria a ser chamado pelo nome de batismo, Valmir.

– Esse negócio de apelido denigre a imagem do jogador – afirmou o treinador do Alviverde.

Com Valmir, o ex-Boi, devidamente preparado para estrear vestindo a camisa verde e branca, Schiller tratou de passar-lhe o bizu a respeito da maneira como deveria se portar em campo.

– Valmir, quando a gente atacar pelo lado oposto, você entre pela diagonal.

– Entro não.

A decidida resposta do jogador novato deixou seus companheiros e o treinador espantados. Um tanto nervoso e surpreendido, Schiller quis saber:

– Por que não entra?

– Eu não sou trem pra correr em diagonal – respondeu o atacante.

Depois do susto, apesar da estranheza do treinador, os jogadores do América caíram no riso. Chegaram à conclusão de que a mais nova aquisição do clube não era simplesmente um “boi”. Na realidade, tratava-se de um boi  daqueles bem brabos. Ou talvez estivesse de brincadeira.  

De Salvador, onde reside desde que descalçou as chuteiras, o ex-lateral esquerdo Ney Andrade - ABC, Sport, América-PE e Bahia - manda um detalhe que enriquece essa história. Depois que amansou, o boi dos canaviais virou negociante de joias. Comparecia sempre à Ilha do Retiro para vender relógios, trancelins e gêneros afins aos jogadores do Leão.  

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