BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 O TREM DO NÁUTICO TERMINOU EM  CONFUSÃO 


Na Alemanha, os timbus fazem hora numa cervejaria, que, por sinal traz um cartaz anunciando seu jogo na cidade. Do lado esquerdo, em pé, o famoso narrador Fernando Ramos  (de paletó) e o ponta-esquerda Zeca. À direita, também em pé, Ivanildo (Souto da Cunha), para os mais íntimos, Espingardinha, e o volante Genaro, mais tarde, o conceituado médico Genário Sales.


 Com sua célebre excursão à Europa, em 1953, o Náutico foi o primeiro time do Norte-Nordeste  a cruzar o Atlântico. Era a estreia do célebre empresário de futebol José da Gama, português inicialmente radicado no Recife, e depois no Rio, que no auge chegou a ter seis times brasileiros varando o Velho Mundo ao mesmo tempo. O lateral e mais tarde médico Genário Sales servia de intérprete para toda a delegação, pois falava francês fluentemente e ainda quebrava o galho no inglês. Já frequentando a faculdade, nas horas necessárias dava uma ajuda na parte médica. O jornalista Hélio Pinto, por sua vez, além de fazer a cobertura para o Diario de Pernambuco, representava Zé da Gama junto à delegação. O Jornal do Commercio contava com seu editor de Esportes, o português Antônio Almeida, acompanhando o giro dos alvirrubros.

A história que vou contar aconteceu no fim da excursão. O Timbu já tomava o caminho da volta, quando os dirigentes resolveram distribuir o material do time com os jogadores. Cada um incluiria na sua bagagem dois calções, duas camisas, dois pares de meião e um par de chuteira. Assim, parte do peso a que o clube tinha direito seria preenchida com outras coisas. Achando que os cartolas queriam era mais espaço para trazer muamba, os atletas rebelaram-se:

– Isso aí é a bagagem do Náutico e ninguém vai levar nada.

A cartolagem foi à forra, determinando que dali em diante, o ônibus fretado para transportar a delegação internamente não esperaria um minuto, além da hora aprazada. Quem se atrasasse que se virasse. Seu passaporte e sua passagem no cobiçado Constallation da Panair do Brasil, poderiam ser apanhados na Embaixada Brasileira em Paris. Um recado direto para aqueles que costumavam remanchar um pouquinho, principalmente os biriteiros. Depois de viajar de trem na Alemanha durante toda uma noite, a partir de Hamburgo, a turma dos Aflitos chegou a Colônia, ainda em solo alemão, onde pegaria nova composição, com destino a Paris. Como sempre fazia, Genário dirigiu-se imediatamente ao setor de informações para checar se tudo estava nos trinques. Foi informado de que o trem em que a delegação viajaria para a capital francesa partiria às 8h30, tendo sido advertido para o fato de às 8h15 sair da mesma plataforma, a 9, outro comboio, rumo ao interior do país. Era preciso ter cuidado para não pegar o bonde, no caso o trem, errado. Genário reuniu todo o mundo e passou o bizu.

Wilton e Alcidésio, que testemunharam o diálogo no idioma da terra de Napoleão Bonaparte entre o intérprete alvirrubro e o chefe da estação, acharam que o companheiro não falava patavina de francês, uma vez que, para eles, só sabia dizer “oui” (sim), além do clássico “bon jour, monsieur.”  Genário era cearense egresso do Maranhão, popularmente chamado de Genaro, e, como foi dito, já estudava medicina.

Havia um grupo no qual Genário se enquadrava, que gostava de uma grea. Ele mesmo armou uma presepada ali em Colônia. Combinou com Caiçara, Lula e Alcidésio para que entrassem no trem das 8h15, com sua respectiva bagagem, o que foi feito. Foi o suficiente para que os cartolas Abel Ventura e Rui Salatiel, bem como o técnico Palmeira acompanhassem seus passos, no que foram seguidos pelo pessoal da mídia: Fernando Ramos (Rádio Jornal do Commercio), Hélio Pinto (Diário de Pernambuco) e Antônio Almeida (Jornal do Commercio).

Com a locomotiva já começando a apitar, dando o sinal de partida, os três farsantes deram o alarma de araque:

– Entramos no trem errado, não é esse.

Dito isso correram em direção à porta do vagão, provocando um ligeiro tumulto, já que os outros pernambucanos também se levantavam às pressas. Genário, o autor da zorra, morria de rir, às escondidas, do lado de fora. Mais ainda quando o explosivo técnico Palmeira, depois de jogar a mala pela janela do trem, começou a soltar seu repertório de palavrões, em meio a gestos agressivos:

 = Qual foi o filho da puta que disse que o trem era esse? Apareça!

Espantados, os alemães não traduziam o palavreado do “velho Pal”, mas compreendiam o que ele estava dizendo. Enquanto isso, com cara de sonso, Genário explicava:

–Bom, eu avisei que era o das oito e meia, se entenderam errado eu não tenho culpa...

 

 

Comentários

  1. Essas histórias de boleiros são sensacionais. Algumas são tão destrambelhadas que se pensa até que são inventadas.

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  2. Na foto, dá para identificar a maioria: em pé Zeca, Ivanildo e Genaro; sentados:Dico, locutor Fernando (o que, Lenivaldo? Deu um branco...) Manuelzinho com um caneção de chope, e Djlama. Agaachado: Eloi. O cara, em pé, um pouco afastado da mesa, parece consultar um celular... Mas, em 1953?!...

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