SOB OS OLHARES DO PAJÉ

 Ivanildo, Eládio e os paus de cana do Náutico numa virada de ano


Eládio de Barros Carvalho, antigo presidente do Náutico

Tricampeão pernambucano em 1950-51 e 52 (invicto), o Náutico em 1953 perdeu a supremacia para o Sport. Mas reagiu no ano seguinte e voltou a fazer festa. O campeonato de 1954 só terminou em 1955. O técnico Palmeira (José Mariano Carneiro Pessoa) estava para completar o período ininterrupto de cinco anos à frente da equipe alvirrubra, com três títulos estaduais conquistados e a caminho do quarto, quando teve sua carreira nos Aflitos interrompida. O motivo foi o mais bisonho possível, uma briga com o atacante Djalma, na concentração de Beberibe, por causa de uns cajus. 

Coube ao capitão do time, Ivanildo, entre os companheiros tratado como Espingardinha, levar o barco até a contratação do gaúcho Sílvio Pirilo. Com a dupla função de jogador e treinador, Ivanildo deparou-se com um problema na passagem do ano de 1954 para 1955, assim contado por ele numa entrevista concedida a mim e ao companheiro Sílvio Oliveira, já falecido, para o Jornal do Commercio:    

“Eu sempre achei Eládio de Barros Carvalho uma figura extraordinária. Eládio tem histórias no Náutico antológicas. Quando peguei o grupo, já no fim do campeonato de 54, havia 17 jogadores, sendo oito em curva de estafa, sem condições ideais. Mas eles tinham competência. Eu já jogava de ponta-direita, armando, e botei Jorginho pela ponta esquerda, armando. 

Técnico, capitão e dono do time, a gente jogava com dois na frente, Hamilton e Ivson, e todo o mundo embaixo pra não tomar gol, pois estaríamos liquidados. Eu jogava amarrado mesmo, com dois jogadores muito hábeis na frente. Quando chega o fim do ano, o campeonato já está pintando para o Náutico, e no dia 4 de janeiro, uma quarta-feira, a gente jogaria contra o Auto Esporte. Santa Cruz e Sport tinham o maior interesse que o Auto Esporte tomasse um ponto do Náutico. Aí houve um fato em que eu só depois descobri a sabedoria de Eládio. 

Era véspera de ano e todo o mundo queria ir para casa. Meu time tomava cerveja, que era uma beleza. Então, chega um grupo de diretores na concentração, pedindo para que eu liberasse os jogadores. Eu aleguei que estava com aquele pessoal preso fazia quarenta e tantos dias, só liberando a turma às segundas-feiras após os jogos para ir em casa. Mostrei-lhes que eu também estava sacrificado, pois trabalhava no banco. Disse-lhes que na véspera e no Dia de Ano, o pessoal iria encher a cara, e no dia 4 haveria jogo. 

Às cinco e meia da tarde chegou Eládio, o Pajé. Foi aquela conversa e a certa altura eu notei que ele só estava faltando dar ordem. Concordei e pedi que por volta das dez e meia da noite fosse um diretor à casa de A, B e C para ver se ele estava em casa. Mostrei que a gente sequer podia empatar com o Auto Esporte. 

Agora, veja a sabedoria de Eládio. O réveillon do Náutico era aquela festa estrondosa, saindo todo o mundo em passeata. Às oito e meia da manhã, mais ou menos, cheguei ao clube e encontrei o gerente Osires e o subgerente Pedro Ramos. Foi quando eu soube que os jogadores haviam passado a noite na festa, na mesa de Eládio, tendo amanhecido o dia e saído às cinco da manhã, tudo puxando fogo pra pedir uma moça em casamento pra Zeca, Eládio na frente. Quando Seu Pedro me contou isso, achei que ele estava brincando, mas ele foi enumerando os jogadores que haviam participado da festa: Alcidésio, Zeca, Jaminho, Gilberto, Vicente e Caiçara. Fui pra casa chocado e quando deu dez e meia fui à casa de Eládio. 

Devo ter entrado com expressão de muita contrariedade. Fui chegando junto a Eládio e dizendo: ‘Mas Tenente, é coisa que se faça? Eu peço pra tomar conta dos jogadores, e eles passam a noite no clube, bebendo?’ Resposta de Eládio: ‘Só beberam escocês.’ 

Conversamos, eu um pouco irritado, fomos para a concentração. Quando foi na quarta-feira, o Auto Esporte meteu 1 x 0 no primeiro tempo. Ganhamos por 2 x 1, tirando sangue. Mais tarde, cheguei à conclusão de que Eládio havia agido certo, pois diretor algum ia cuidar de jogador, e mulher alguma ia segurar o marido e evitar que bebesse. Ele convidou o pessoal para sua mesa e evitou que a turma desperdiçasse energia.”

Ivanildo, ex-jogador e técnico do Alvirrubro


 

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