APELIDOS NO REINO DA BOLA (LETRA H)

Elogios de Sílvio Santos, Chico Anísio e Obdulio ao fulniô Harry Carey


O goleiro pernambucano na equipe do Treze (Foto: reprodução internet)


O Treze de Campina Grande tinha um notável trio final, como se dizia na época, formado pelo goleiro Harry Carey e os zagueiros Félix e Uray. O goleirão ainda hoje é lembrado pelos torcedores mais antigos do Galo da Borborema por causa de suas defesas impossíveis e seus saltos acrobáticos.

O apresentador Sílvio Santos certa vez durante um programa que tinha na TV Tupi do Rio, num momento em que se falava da Copa do Mundo de 1958, e um seu entrevistado citou o soviético Yashin, como o melhor goleiro do mundo, aparteou-o, dizendo:

“O melhor goleiro que eu vi jogar foi Harry Carey, do Treze de Campina Grande.”

Como o homem do baú conheceu aquele fenômeno do futebol nordestino, se o Treze nunca tinha jogado na Cidade Maravilhosa?

É que Harry Carey, em 1956, passou algum tempo zanzando pelo Rio, tendo defendido o Madureira e o Bangu em amistosos – o Treze não o liberou e ele não podia disputar jogos oficiais.

Era no tempo em que jogador tinha o passe preso ao clube. Brigado com o Treze, Harry Carey fugiu para Catende, na zona canavieira de Pernambuco, tendo passado a trabalhar na indústria de açúcar local, a poderosa Usina Catende. Nas horas vagas defendia o Leão XIII, o time dos trabalhadores da poderosa indústria ao lado de Zé Bom, Geraldo e outros jogadores que brilharam naquela equipe, que era uma das forças do Interior

O Madureira, num giro caça-níquel pelo Nordeste, realizou um amistoso contra o Leão XIII, agradou-se de Harry Carey e o incluiu na delegação para o restante da excursão. Ao regressar ao Rio de Janeiro levou-o a tiracolo. Além de ter defendido o Tricolor Suburbano, Harry Carey vestiu a camisa do Bangu.


Harry Carey, Félix e Urai, célebre trio final do Treze (Foto: reprodução internet)


ELOGIADO POR OBDÚLIO

“Houve um fato curioso. Um time do Uruguai (não recordo o nome agora) veio realizar um amistoso com o Flamengo. Aí, resolveram fazer um match-treino com o Bangu e eu fui escalado. De uma hora para outra, o time deles começou a jogar sério, pois eu estava fechando o gol. Tentaram de todo jeito, mas não conseguiram um gol sequer. No final, o capitão deles veio me dar os parabéns pela atuação. Este jogador era Obdulio Varela, o herói da conquista da Copa de 1950”, contava Harry Carey, com muito orgulho.

Logo sua fama espalhou-se pelo subúrbio carioca, onde se falava nas boas atuações do goleiro que tinha vindo do Treze de Campina Grande. Foi nessa sua estada na antiga Capital Federal que o então camelô Sílvio Santos, que gostava muito de futebol o viu jogar. E gravou na memória suas defesas monumentais. Porém, o Treze considerava-o um jogador inegociável e por isso o goleiro, nascido em Pernambuco, não pôde ficar definitivamente no futebol carioca.

Suas notáveis qualidades também foram reconhecidas pelo consagrado, cearense Chico Anísio, que gostava muito de futebol. Um dia, na “Escolinha”, nos anos 70, o Professor Raimundo, personagem que Chico interpretava na Rede Globo de Televisão, perguntou qual goleiro tinha sido considerado o melhor do mundo. Para puxar o saco do mestre, o aluno respondeu:

“Raimundo Nonato”.
E o professor, imediatamente, replicou:
“Não ! Goleiro bom foi Harry Carey, do Treze de Campina Grande.... Eu só pegava uma bolinha ou outra...”

Vale salientar que na fase de apogeu de Harry Carey, o famoso comediante ainda em início de carreira, trabalhou algum tempo na Rádio Clube de Pernambuco, numa época em que a televisão por estas bandas não passava de um sonho. E os times do Recife estavam sempre enfrentando o Treze em partidas amistosas, em Campina Grande ou na capital pernambucana. Era justamente a época de Harry Carey.

Harry Carey no Ceará (Foto: reprodução internet)


ETNIA FULNIÔ

Harry Carey nasceu em Águas Belas, no Agreste Meridional pernambucano, em 11 de novembro de 1926. Era filho de um casal de índios fulniô, etnia à qual pertenciam os ascendentes do inesquecível Mané Garrincha. O goleiro chamava-se Sebastião Cordeiro dos Santos e, em dado momento, passou a morar em Arcoverde, cidade considerada a porta do Sertão pernambucano. O garoto Sebastião não perdia uma matinê dominical no Cine Bandeirante.

A meninada vibrava com as escaramuças dos artistas dos seriados, as populares “séries”, no linguajar popular. Nas brincadeiras de rua, cada um adotava o nome de um daqueles bambas da tela. Sebastião virou Harry Carey. Para sempre.

Com o apelido consagrou-se no Democrático, clube famoso de Arcoverde, aonde chegou pelas mãos do advogado Carlos Rios, um ex-presidente (várias vezes) do Santa Cruz do Recife, a famosa Cobra Coral. Do Democrático, cuja camisa vestiu, amadoristicamente, de 1944 a 1951, saiu para defender o Treze (1951/55) após dar um show num amistoso que o Galo da Borborema realizou em Arcoverde. Embora os paraibanos, bem melhores, tenham vencido o Democrático por 2 a 1, o goleiro local foi a estrela do espetáculo, com suas defesas monumentais. Isso aconteceu em 1951.

Interessante é que Harry Carey inicialmente era centroavante e sempre balançava a rede. Mas um dia resolveu brincar na barra e o técnico do Democrático não permitiu que voltasse ao antigo posto. Na sua bagagem na viagem a Campina Grande, já contratado pelo Treze, constava uma sanfona, uma vez que também era desse ramo.

A melhor defesa era assim descrita por ele mesmo: “Foi numa bola atrasada por ‘compadre’ Uray, o maior zagueiro que jogou comigo”.

E descrevia a jogada, com muita propriedade:
“Só não recordo contra qual time nós estávamos jogando, mas num contra-ataque, o centroavante deles saiu correndo, conduzindo a bola, sendo acompanhado por Uray. Eu estava na risca da pequena área, pronto para sair e abafar o lance. Mas, quando a bola estava quase na meia-lua, Uray conseguiu tocá-la na minha direção, só que por cima, me cobrindo... Eu tomei um grande impulso para trás, consegui segurar a bola no ar e terminei completando com um salto mortal. Caí com as pernas dentro do gol, mas as minhas mãos, segurando a bola, estavam do lado de fora.”

É pena que não existisse televisão para eternizar esse lance inusitado, lamentava o jogador.

Harry Carey, que também defendeu o Ceará (1956/58), o Fortaleza (1953/63) e a Seleção Cearense, definia o Treze como o melhor time do qual fez parte. E declinava a escalação sem pestanejar: Harry Carrey; Félix ou Letácio e Uray; João Luís, Arrupiado, Zé Pequeno e Marinho; Mário, Araújo, Ruivo e Hercílio.

O cronista esportivo Paulo Moraes (Jornal do Commercio, Rádio Jornal, Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e TV Globo Nordeste), ainda era adolescente em Caruaru quando viu Harry Carey jogar pela primeira vez: “Foi no antigo Estádio Pedro Victor,  num amistoso com o Central. Houve um empate por dois a dois e Harry Carey jogou com uma camisa ragasda, até”.  

Comentários