RELEMBRANDO A I TAÇA BRASIL

 


Ney Andrade: "O azar do Sport foi ter goleado o Bahia"



Depois de quase 63 anos, Ney Andrade, lateral esquerdo do Sport no final da década de 50 e início dos anos 60, falou para o jornalista ANTÔNIO MATOS, autor do livro 'Heróis de 59', que narra a conquista da I Taça Brasil, pelo Bahia, sobre os três jogos entre pernambucanos e baianos naquela competição. Dentre outras coisas, disse que o exagerado otimismo, que tomou conta da Ilha do Retiro após a goleada de 6 x 0 - estimulado, sobretudo, pela mídia esportiva de Recife - foi decisivo para que o Sport perdesse a terceira partida e fosse eliminado. "Depois daquele massacre, ninguém imaginava numa reação do Bahia", ressaltou.

Leia abaixo todo o depoimento de Ney:  

“Hoje, tantos anos depois, tenho a certeza que a goleada de 6 x 0, aplicada no Bahia, em Recife, na Ilha do Retiro [30 de outubro de 1959, feriado, Dia do Comerciário], no segundo jogo da série melhor de três, impediu que o Sport fosse campeão do Norte-Nordeste, classificando-se para as semifinais, e prosseguisse na busca do título da I Taça Brasil.
A rivalidade entre Bahia e Pernambuco, inclusive no futebol, era, na época, muito acirrada e a mídia esportiva pernambucana [as rádios ‘Clube’, ‘Jornal do Commercio’ e ‘Tamandaré’ e os jornais ‘Diário de Pernambuco’ e ‘Jornal do Commercio’] exagerou nos elogios ao Sport, pela expressiva vitória diante dos baianos.
Isto contaminou todo o ambiente na Ilha, desde os dirigentes até os jogadores, passando também pelo técnico Francisco de Assis Capuano, promovido dos juvenis para os profissionais, às vésperas do jogo contra o Bahia, na Fonte Nova [27 de outubro de 1959], em substituição ao argentino Dante Bianchi.
Capuano reivindicava um espaço maior no Sport, desde a época em que, tendo o atacante Almir, o ‘Pernambuquinho’, como grande destaque do time, fora [como treinador] campeão pernambucano juvenil invicto e sem levar um gol sequer.
E nada melhor do que este momento chegar dentro de um campeonato nacional, numa concorrida disputa regional e, sobretudo, com um massacre sobre um time de camisa pesada, como o do Bahia, dias depois de assumir o cargo.
Satisfeito com as novas funções e vaidoso por ter alcançado tão extraordinário feito, Capuano era, ao lado dos jogadores Osvaldo, Elcy e Djalma Freitas, um dos mais entusiasmados, dando a classificação como ‘favas contadas’.
Também acreditava que o Sport reunia amplas condições de voltar a vencer o adversário e seguir na disputa da competição, entretanto não perdia de vista a partida da Fonte Nova [Bahia 3 x 2 Sport], quando fomos dominados em boa parte do jogo, nem a garra do time baiano, que conhecia desde meus tempos de ABC.

O potiguar Ney Andrade terminou no Esquadrão de Aço


Afastado do elenco por contusão [o reserva Indio, que viera do Ibis, atuara em seu lugar], não participei dos compromissos do Sport contra o Auto Esporte, em João Pessoa e em Recife, quando vencemos, com folga, por 3 x 0 e 5 x 2, respectivamente.
Nosso time era muito bom, tanto que passamos também pelo Tuna Lusa [na época, uma equipe forte, financiada por empresários bem sucedidos, ligados à colônia portuguesa do Pará] sem precisar de uma terceira partida: empatamos [2 x 2] em casa e vencemos [3 x 1] em Belém.
Sport e Bahia eram, comprovadamente, equipes parelhas, mas, apesar de minha confiança e até um certo otimismo, tinha consciência que a goleada, que impusemos em nossos domínios, fora algo atípico e que só acontece de caju em caju.  
Naquela tarde, tudo dera certo para nós, com o oportunista Osvaldo marcando três vezes [sendo um de paulista] e até o excepcional goleiro Nadinho falhando, ao tomar um gol inteiramente defensável, num chute do meio da rua do cerebral Bentancor. E digo mais: não fossem algumas patriotadas do juiz baiano Cavalcante de Brito, o placar poderia ter sido até maior.
Deixamos a concentração, localizada no bairro Caxangá, nas proximidades do rio Capibaribe, a pouco mais de 10 quilômetros do centro de Recife, certos de que sairíamos da Ilha do Retiro, naquela noite [3 de novembro de 1959], com o título de campeões do Norte-Nordeste.
Infelizmente, estávamos enganados, pois o abatido Bahia do jogo passado já não mais existia. Surpreendia com um futebol organizado e de muita determinação, enquanto o Sport, que entrara em campo de sapato alto e achando que ganharia o jogo na hora que quisesse, foi, aos poucos, percebendo que tinha pela frente um adversário aguerrido e disposto a apagar o vexame da partida anterior.
A pressão do Sport durou pouco tempo, pois, a partir dos 15 minutos do primeiro tempo, já era o Bahia quem dominava as ações, por conta da severa marcação feita em cima de Bentancor e Osvaldo, destaques principais no 6 x 0.
O baixinho Biriba [tinha somente 1,59 metro] ganhou no alto do grandalhão Bria e fez 1 x 0 para os baianos ainda na fase inicial, num lance em que também falhou o irregular goleiro Dick, ex-América do Rio.
Veio o segundo tempo e o Sport, descontrolado, errando muitos passes, não conseguiu reagir, notadamente após o Bahia fazer o segundo gol, com Léo, aproveitando rebote de Dick, que não segurou um chute de Biriba.
O Sport ficou pelo caminho e o Bahia, com toda justiça, conquistou a etapa Norte-Nordeste da Taça Brasil, classificando-se para enfrentar o Vasco, pelas semifinais da competição.

(Ney Andrade, 86 anos, lateral esquerdo do Sport, nos jogos contra o Bahia pela I Taça Brasil.)

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