NELSON DE TODAS AS CORES
Capiba e Nelson Ferreira, tricolores geniais (Foto: Fundaj) |
Lenivaldo Aragão
Torcedor do Santa Cruz,
nem tão apaixonado como seu amigo Capiba, o maestro NELSON Heráclito Alves
FERREIRA, pernambucano de Bonito,
nascido em 9/12/1902, logo cedo mudou-se para o Recife, onde viveu até
21-12-1976, quando deu seu último suspiro aos 74 anos de idade.
Uma das glórias da cultura
musical de Pernambuco, a exemplo de Capiba, conhecido nacionalmente, em 1957 Nelson
foi autor de uma proeza que muito orgulhou seus conterrâneos. O frevo-canção “Evocações”
– “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos ...” –
foi a música mais executada no carnaval carioca. Era o início de uma série de sete
composições do gênero, com o mesmo título, ao qual era acrescentada apenas a
ordem cronológica.
No futebol pernambucano,
aquele recatado tricolor sentia-se na obrigação de homenagear o clube de sua
paixão. Além do “Qual é o Score, Meu Bem” , feito em 1941 em parceria com o radialista Ziul Matos, música que abre
esta série de reportagens, o célebre músico bonitense já havia reverenciado o Sport
e o Náutico, os adversários do Santinha na incessante disputa da hegemonia do
futebol pernambucano. Coisa simplesmente impensável em se tratando de Capiba. Nelson
Ferreira tinha o espírito conciliador, como demonstra a letra da produção de
1941, gravada pelo consagrado Almirante:
Seja da cobrinha
Seja do timbu
Ou seja do leão
Eu não faço questão
Quero, meu benzinho
Que neste Carnaval
Você torça um bocadinho
Pelo meu coração
No campo do amor
Pelo seu coração
Serei bom jogador
Em qualquer posição
Somente eu lhe peço
E é bem pouco o que desejo
Cada gol que eu fizer
Você paga com um beijo
SUPERCAMPEÃO
Cobrado pelos amigos que,
como ele, amavam a Cobra Coral, por ter exaltado os “inimigos”, deixando de
lado seu Santinha, Nelson teve a oportunidade de saldar sua dúvida com a conquista
do supercampeonato de 1957 pelo Clube das Multidões.
O frevo-canção dedicado ao Santa Cruz, intitulado “Supercampeão”, surgiu sob a vibração pela conquista do primeiro supercampeonato do Tricolor do Arruda. Isso, já em 1958, pois a disputa havia entrado de um ano para o outro. O disco, de 78 rotações por minuto, com a pernambucana marca Mocambo, tinha a interpretação do alvirrubro Claudionor Germano e acompanhamento da orquestra de frevos do próprio Nelson Ferreira.
Antes da música propriamente dita há um texto falado em que os locutores César Brasil e Rosa Maria, tricolores, se revezam, declinando a escalação da equipe supercampeã, emendando com uma convocação ao chefe de torcida Anísio Campelo, seguindo-se o grito de guerra, que era comandado pelo próprio Anísio:
“Aníbal, Diogo e Sidney; Zequinha, Aldemar e Edinho; Lanzoninho, Faustino, Rudimar, Mituca e Jorginho!”
Em
saudação a estes supercampeões de 1957, o comandante Anísio Campelo,
desfraldando a bandeira gloriosa das Repúblicas Independentes do Arruda, dá o
seu grito de guerra.
É
quando entra o célebre torcedor
Atenção,
tricolores:
Um,
dois, três, quatro, cinco, seis
Torcemos
com prazer
Queremos
a vitória, nosso lema é vencer
Uah,
uah, uah, Santa Cruz.
Em seguida
vem a música propriamente dita:
“Vamos
cantar com toda emoção
Um, dois, três, quatro, cinco,
seis
Saudando a faixa de
supercampeão
A que fez jus o mais querido
Santa Cruz
Foram três as vitórias
colossais
Juvenis, aspirantes,
profissionais
Repúblicas Independentes do
Arruda
Pernambuco vos saúda
Anísio, chama a torcida
Tudo pelo Santa, nosso sangue
e nossa vida
Um, dois, três
Quatro, cinco, seis
Torcemos com prazer
Nosso lema é vencer
A
referência aos juvenis e aos aspirantes tem sentido, posto que em 1957, além
dos profissionais, o Santa foi campeão naquelas categorias. Ou seja fez barba, cabelo
e bigode, para usar um velho chavão que vez por outra corre as arquibancadas.
COM O BOM SEBASTIÃO
A estreia de Nelson Ferreira nessa miscigenação entre a
sombrinha do frevo e a bola deu-se no já longínquo 1936, quando compôs, em
parceria com Sebastião Lopes, o Bom Sebastião, cantado por Getúlio Cavalcanti,
o frevo-canção “Pelo Sport Tudo”, que se popularizou como “Moreninha”
e durante muito tempo fez as vezes de hino do Leão. Mais uma vez o alvirrubro
Claudionor Germano na jogada:
Moreninha que estás dominando
Desacatando agora pelo entrudo
Chegou a hora de gritares
loucamente
Hip, hip, hurrah, pelo Sport
tudo
Vejo no batom dos teus lábios
E no teu cabelo ondulado
As cores que dominam
altaneiras, oh morena
O meu glorioso Estado
E passado o Carnaval
Para que não te falte a boa
sorte, dirás
Na minha vida hei de fazer
eternamente
Tudo, tudo pelo Sport
EDU, COME E DORME E CAZÁ,
CAZÁ
Em 1967, com o Náutico dominando
a cena pernambucana nos gramados, a dupla Ziul Matos-Nelson Ferreira voltou a se
encontrar, num frevo-canção feito especialmente para ser gravado pelo
pai-de-santo Edu. O Alvirrubro havia sido pentacampeão, e o conhecido
macumbeiro dizia-se responsável pelo feito, pois estava sendo sempre
requisitado pelo técnico Duque para fazer uma ‘limpeza’ no elenco. Eis a
música:
Dei o bi
Dei o tri
Dei o tetra
E o penta chegou
Ene-a-u-tê-i-cê-o, gol
É gol, é gol, é gol
O vermelho é bravura e
destemor
O branco é paz e é amor
Mas as duas cores juntas
Têm uma nova dimensão
Atenção, futebol do Brasil
Ene-a-u-tê-i-cê-o
Náutico, Náutico
Náutico é pentacampeão
Nelson Ferreira fez também dois frevos-de-rua na temática
futebolística. Em um homenageou o Náutico, com o “Come e Dorme”, em 1953. Era
uma alusão ao time de reservas do Alvirrubro, muito bom, mas os jogadores não
tinham vez na equipe de cima porque os titulares, sabendo o que lhes poderia
ocorrer, procuravam não lhes dar brecha. Dizia-se que a turma do “time da
laranja” só fazia comer e dormir.
O outro foi “Cazá, Cazá”,
do Sport, composto pouco tempo depois do “Come e Dorme”. Ambos continuam em
plena evidência.
Sobre o
“Cazá, Cazá”, o engenheiro aposentado Eunitônio Pereira, autor do hino oficial
rubro-negro, – o inicialmente frevo-canção “Sport, uma razão para viver” –
filho do ex-prefeito do Recife Antonio Pereira, me prestou certa vez este
depoimento:
– Eu era
garoto. Nelson toda quarta-feira ia almoçar em minha casa. Ele tinha feito o “Come
e Dorme” para o Náutico. Fiquei chateado e pedi que fizesse um frevo para o
Sport também. Alguns dias depois, ele criava o Cazá, Cazá”.
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