A virada que fez a torcida do Sport renegar o ídolo Manoelzinho
Lenivaldo Aragão
Time do Sport na heroica excursão ao Centro-Sul. Em pé-Pitota, Furlan, Castanheira, Salvador, Manoelzinho e Zago; agachados – Djalma. Ademir, Pirombá, Magri e Walfredo (Foto: Arquivo do Blog) |
O goleiro Manoelzinho, nascido
em Caruaru, veio para o Recife, procedente de Pesqueira, onde defendia o Cruzeiro.
Foi contratado pelo Great Western. Brilhou
no time da empresa que regia o transporte ferroviário em Pernambuco, mas
terminou sendo fisgado pelo Sport, cuja camisa vestiu de 1941 a 1951. Substituiu
Bushatsky, cujo nome o povão simplicava para Buchada. Virou ídolo leonino. Era
baixinho, com 1,64 m, porém, dotado de uma impressionante elasticidade.
Na célebre excursão do Leão ao
Centro-Sul, entre dezembro de 1941 e março de 1942, só não ingressou no Botafogo
porque não quis. Foi fortemente assediado pelo jornalista e dirigente João
Saldanha, mais tarde técnico do próprio Fogão e da Seleção Brasileira.
No Rubro-Negro, Manoel Monteiro
de Arruda, que deu os primeiros passos como jogador no Rosarense da cidade onde
nasceu, tornou-se tricampeão pernambucano em 1941 (invicto)/42/43 e bi em
1948/49. Várias vezes formou na equipe azul e branca no Brasileiro de Seleções.
Era o goleiro de Pernambuco na célebre vitória sobre a Bahia por 9 x 1.
Mas, como “tristeza não tem
fim, felicidade sim”, conforme o samba de Vinicius de Moraes, musicado por Tom
Jobim, os que aplaudiam Mané, como era conhecido na intimidade, passaram a odiá-lo
e difamá-lo após uma goleada de 5 x 1 aplicada pelo Náutico no Sport em 22 de
novembro de 1951.
Convém lembrar que o
Alvirrubro no mesmo campeonato havia levado uma tunda de 6 x 3 do modesto e
estreante Auto Esporte, que antes tinha derrotado outro grande, o Santa Cruz,
por 1 x 0.
O MASSACRE IMPOSSÍVEL
Nesta reportagem, segue parte
do capítulo em que o jogo do 5 x 1 foi contado pelo médico e escritor, o
alvirrubro Lucídio José Oliveira, no seu livro “O Náutico, a bola e as lembranças”.
“O estádio dos Aflitos recebia
um público numeroso. Mas o grosso da torcida era de rubro-negros. Os timbus não
tinham motivo para animação. Afinal de contas, o Náutico não vinha bem. E a
torcida, qualquer torcida, é meio escabreada. Quando o time não está bem, não
vai lá. O jogo era pela primeira rodada do returno. O Sport, o turno inicial em
suas mãos, era todo tranquilidade. Uma vitória rubro-negra, mais uns pontos à
frente, e o título estava indo para a Ilha. Ao Náutico, só a vitória
interessava. E, nos Aflitos, o que não havia era tranquilidade para se chegar a
essa vitória. O time tinha seriíssimos problemas para a composição de sua
defesa. À tarde, pouco antes do jogo, Palmeira teve enorme dificuldade para se
decidir. O que fazer para escalar a defesa, para armar um sólido sistema
defensivo?
Lula, o central, vinha de uma
contusão, estava fora do time e cedera seu lugar a Caiçara, seguro na lateral
direita, porém menos eficiente no miolo da área. O deslocamento de Caiçara
forçara o retorno de Sidinho, um veterano já sem muitas pernas. No outro lado,
mais um problema para Palmeira. Jaminho voltara do Fluminense contundido. Ainda
não ganhara condições de entrar no time. Algumas saídas foram tentadas, mas
nenhuma delas dera resultados. A lateral esquerda era o ‘tendão de Aquiles’, a
dor de cabeça de Palmeira. Ali tinham jogado Genaro, Caiçara e até Ivanildo,
mas nada dava certo.
Apesar das sensatas
ponderações de Ivanildo – líder do grupo, espécie de consultor do técnico –,
Palmeira se decidiu por escalar Lula naquela posição para o jogo da noite. Ivanildo
tinha suas razões para discordar e ficar preocupado. Como sacudir Lula naquela
fogueira, ele que vinha de uma contusão e era, afinal de contas, um estranho
ali pela lateral esquerda? Mas quem mandava no time era Palmeira. E Palmeira,
como todo técnico que se preza, era cabeça-dura. Só quem mandava era ele. Lula,
afinal, foi escalado para a lateral esquerda. E fosse o que Deus quisesse.
As cismas de Ivanildo, e de
resto, a preocupação de toda a torcida timbu desgraçadamente se confirmaram,
mal a partida teve início: o Sport, numa jogada rápida do temível Jorge de
Castro, em cima do improvisado Lula, abre a contagem logo de saída. Pouco tempo
depois, precisamente aos 5 minutos, o goleiro Vicente, num esforço desesperado
para salvar o arco em mais uma escalada rubro-negra pelo lado do atarantado
Lula, contunde-se seriamente, sendo obrigado a deixar o gramado. Um agravante:
naquela época não estava sendo permitida a substituição de jogadores, nem mesmo
a do goleiro eventualmente contundido. Substituição do goleiro só por outro
jogador que já se encontrasse em campo. Era uma dureza! Para o Náutico, uma
desgraça. Lula, por motivos óbvios, era o indicado para ocupar o lugar de
Vicente. Uma coisa era certa, não iria fazer falta na lateral esquerda.
Ficando o Náutico com dez homens
e com um goleiro improvisado, perdendo de 1x0 para o líder do certame, o
todo-poderoso Sport, e no começo do jogo, o que era de se esperar? Um massacre,
claro. Muitos deixaram o estádio. Como ficar ali para a suprema humilhação,
assistir, impotentes, o Sport deitar e rolar na nossa própria casa? Aconteceu,
porém, o milagre: o Náutico venceu o jogo por 5 x 1, o maior feito de toda a
sua história em uma partida isolada! Foi uma coisa fantástica, inacreditável!
O jogo – não podia ser diferente –, foi dramático. Mais do
que dramático, foi angustiante: aos 7 minutos, uma bola na trave do Náutico; logo
em seguida, novo ataque do Sport, e dessa vez acertaram a meta. O ‘goleiro’
Lula rebateu com o pé! Era assim que ele sabia jogar... E esse foi o instante
mágico. Todos que se encontravam no estádio tiveram esse pressentimento”.
NOMES QUE A HISTÓRIA GUARDOU
Mais adiante, o autor descreve
os gols alvirrubros, marcados por Alcidésio aos 25, e Djalma aos 31 minutos do primeiro tempo;
Zeca, Hélio Mota e Fernandinho na segunda fase.
Naquela partida histórica, dirigida
pelo carioca Mário Vianna, tido como o árbitro número 1 do Brasil, o Náutico do
célebre Palmeira alinhou Vicente; Sidinho e Caiçara; Ivanildo, Gilberto e Lula;
Hélio Mota, Fernandinho, Djalma, Alcidésio e Zeca.
O time do Sport, dirigido pelo uruguaio Ricardo Diez, foi este: Manoelzinho; Chicão e Arnaldo; Bria, Lilica e Pinheirense; Jorge de Castro, Arlindo, Ênio, Ananias e João do Vale.
O mundo desabou sobre Manoelzinho.
Este ainda terminou o campeonato defendendo o Leão, mas encerrado o certame,
conquistado pelo Náutico, recebeu o bilhete azul. Levianamente era acusado por
rubro-negros mais inconformados de ter entrado no ‘mondé’, ou na ‘gaveta’. Pouco
tempo depois assinava contrato com o Timbu. Para os alvirrubros, uma prova de
sua honestidade, porquanto, o experiente Eládio de Barros Carvalho, o Pajé, não
iria aceitar em suas fileiras um profissional inconfiável.
Nos Aflitos, o caruaruense foi
campeão em 1952, revezando com o famoso Vicente na posição. Em 1954, agora
tendo Peter ao seu lado, também ajudou o clube dos Aflitos a levantar a taça. Em
1953 participou da excursão alvirrubra à Europa. Encerrada a carreira
permaneceu ligado ao Náutico, inicialmente como assistente técnico, depois como
dirigente. Terminou seus dias como funcionário municipal aposentado – durante muito
tempo exerceu a função de tesoureiro da prefeitura do Recife.
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