HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 

Guaberinha na Embaixada Suicida. Em pé (E/D): Pedrinho, Pelado, Omar, Eutímio, King, Amaro Caju, Sidinho e Pinhegas; agachados: Limoeirinho, Guaberinha, com seu tradicional gorro), França, Papeira, Sidinho II e Capuco. King e Papeira morreram durante a excursão tricolor.(Acervo do Blog) 


 

GUABERINHA: BOLA, CATIMBA E MALVADEZA   


 


Houve um jogador em Pernambuco temido por todos. Era o terrível Guaberinha que, após descalçar as chuteiras foi árbitro e técnico. Gerson Lins de Miranda, um dos integrantes da célebre Embaixada Suicida, do Santa Cruz, além do Tricolor, defendeu o Auto Esporte e o Tramways, além da Seleção Pernambucana no antigo Campeonato Brasileiro de Seleções. Jogava bem, era raçudo, mas ao entrar em campo deixava fora das quatro linhas todos os sentimentos de ética esportiva.

Tanto catimbava, como jogava futebol. Gabava-se de ter jogado “nas onze”, o que era verdade, pois numa emergência terminou substituindo o goleiro que se machucara. Foi um dos componentes da célebre Embaixada Suicida do Santa Cruz, no ano de 1943.

 

CASOS DE GUABERA E AS MUITAS VERSÕES

Tornaram-se comuns os entreveros de Guaberinha com os adversários. Suas molecagens eram comentadas pela imprensa e pelos torcedores, ganhando contornos cada vez mais espetaculares à medida que passavam de boca em boca. Não havia televisão para mostrar àqueles que não tinham ido ao campo as imagens das confusões armadas por Guaberinha. Assim, era fácil determinada jogada ser supervalorizada, dependendo da imaginação de quem a descrevia ou de quem ouvia a narrativa.

– Ele imperava numa época sem lei – disse sobre Guaberinha, Argemiro Félix de Sena, o popular Sherlock, zagueiro do Santa Cruz na conquista do primeiro título de campeão pernambucano pelo Tricolor, em 1931, que culminou com o Tri (1931/32/33).

Mais tarde árbitro, tendo sido o primeiro pernambucano a chegar à Fifa, Sherlock conviveu muito tempo com aquela lendária figura dos gramados de Pernambuco e sabia do que estava falando. 

O famoso Manuelzinho foi vítima do condenável gesto que Guaberinha tinha de jogar terra ou cal nos olhos dos goleiros adversários, principalmente em cobranças de escanteio. Vale salientar que apesar do gramado na pequena área sempre há um pequeno trecho desprovido de grama.

 

Sherlock

MACAQUITO

Outra atitude antidesportiva do nosso personagem era agarrar o calção de um jogador quando este pulava para cabecear, também nos escanteios. Por causa disso eram frequentes as discussões com o argentino Magri, do Sport. Só que aquela espécie de anjo mau do futebol pernambucano não se contentava em simplesmente agarrar o gringo pelo calção, indo de dedada no ânus, um recurso comum, na época, para jogadores que comungavam da mesma maledicência de Guaberinha. Logicamente, Magri virava uma fera.

– Ele ficava com muita raiva e passava a me insultar, chamando-me de “macaquito” – disse-me uma vez Guaberinha, rindo a valer de mais essa sacanagem do seu vasto repertório.

 TRANCAFIADO NO MARANHÃO

Certa vez, o Santa Cruz estava excursionando pelo Norte do Brasil, tendo Guaberinha passado oito dias trancafiado num hotel, em São Luís, só saindo à rua na hora de viajar. Tudo por causa de uma confusão que ele havia armado num jogo contra o Sampaio Corrêa.  O aranzé, segundo sua narrativa, contada com a maior naturalidade:  

– Estávamos ganhando por 3 a 1 quando o juiz marcou um pênalti que não existiu. Chutei a bola pra fora do campo e fui expulso. O pau cantou e saímos debaixo de pedradas. A coisa foi tão violenta que Pedrinho, nosso beque central, ficou desacordado, de meia-noite às cinco da manhã, por causa de uma pedrada que lhe causou um rombo na cabeça. Mas o pênalti não foi batido.

 O FIDALGO AMAURY PERDEU A LINHA

Um gesto condenável de Guaberinha narrado por ele mesmo:

– Eu tinha saído do Santa Cruz para o Auto Esporte e enfrentei meu ex-clube pela primeira vez, jogando de lateral-direito. O primeiro tempo terminou 0 x 0, e Amaury estava acabando com o jogo. Mandei Silva, um soldado da Rádio Patrulha, que jogava no Auto Esporte, dar-lhe um pontapé, mas Silva não topou. No segundo tempo, quando Amaury sofreu uma falta e caiu, aproveitei a situação, fiz que ia socorrê-lo e arranquei um esparadrapo que ele tinha na testa por causa de um corte. Com a dor, Amaury reagiu, me dando um murro. Foi expulso na hora. Era isso mesmo o que eu queria. No fim, derrotamos o Santa Cruz por 3 x 1.

(Amaury, nascido em Bezerros, que passou rapidamente pelo Central, era o que se pode chamar de pessoa de fino trato. Por causa dessa expulsão deixou de ganhar o Belfort Duarte, prêmio destinado a jogadores que passassem 10 anos ou 200 jogos sem pelo menos receber uma advertência.)

Amaury


 

SALVO PELO GONGO

Na sua estreia no Náutico, no dia 7 de abril de 1946, Ivanildo, o célebre Espingardinha, o mesmo Ivanildo Souto da Cunha, que durante vários anos ocupou cargos de direção no extinto Banorte, teve a desdita de topar com Guabera, como era tratado na intimidade o jogador considerado uma espécie de dragão da maldade dos gramados. Ivanildo, que seria um dos maiores ídolos alvirrubros de todos os tempos, vestiu a camisa alvirrubra pela primeira vez no dia em que o Timbu festejava o 45º aniversário de sua fundação.

Era um amistoso festivo entre Náutico e Santa Cruz. Guaberinha, em dado momento, dirigiu uma ofensa à mãe do rapaz alto e magro – por isso o apelido de Espingardinha – ainda desconhecido. Recém-chegado de Garanhuns, trazendo todo o recato da vida interiorana, e empolgado que estava em formar no mesmo time em que brilhava Tará, um dos monstros sagrados do futebol de Pernambuco em todas as épocas, e a ala esquerda (meia e ponta) Hermenegildo e Mitotônio, vinda do Ceará,  Ivanildo partiu para cima de Guaberinha, como uma fera, para lhe dar uma lição. Todavia, foi contido por dois companheiros, Célio Araraquara e Gilberto.  Não fosse isso, seria expulso de campo, e, com a ficha suja, não teria recebido, anos mais tarde, o tal Belfort Duarte de que tanto passou a se orgulhar, honraria a que o tricolor Amaury não teve direito.

            É bom lembrar que Guaberinha não era só isso. Tanto catimbava, como jogava futebol. Gabava-se de ter jogado “nas onze”, o que era verdade, pois numa emergência terminou substituindo o goleiro que se machucara. Foi um dos componentes da célebre Embaixada Suicida do Santa Cruz, no ano de 1943.

  

Ivanildo

BACAMARTE PIPOCOU

Campeonato Brasileiro de Seleções. Pernambuco e Bahia enfrentam-se no antigo Estádio da Graça, em Salvador. Guabera, assim chamado na intimidade, trava um duelo de soltar faísca com Bacamarte, famoso jogador baiano. O pernambucano bate tanto, que, dizem, Bacamarte pede dispensa do jogo de volta, no Recife, para não voltar a enfrentá-lo. O zagueiro não veio mesmo. Com isso, ficou livre de levar novas bordoadas de Guaberinha e de tomar a goleada de 9 a 1 com que a equipe da Boa Terra foi presenteada na Terra dos Altos Coqueiros, do Frevo e do Maracatu.

 OS BRUTOS TAMBÉM AMAM

No início de 1943, o Santa Cruz saiu do Recife, de navio, para realizar uma temporada em Belém e Manaus. Guaberinha era um dos integrantes da delegação.

Decorria a Segunda Guerra Mundial, com submarinos alemães percorrendo a costa brasileira, principalmente no Nordeste, com o intuito de naufragar embarcações inimigas que estivessem ao seu alcance. Tiveram sucesso algumas vezes.

Por uma série de motivos, projetada para durar um mês, a aventura da chamada Embaixada Suicida, só terminou depois de quatro meses de desventuras, sofrimentos e resistência. Na longa travessia pelo Rio Amazonas, no trecho Belém, Manaus, Belém, em algumas ocasiões, o valente Guaberinha foi às lágrimas ao se lembrar da família. Ele e outros não resistiam à saudade dos pais, esposas e filhos. Muitas vezes, principalmente à noite, com o navio rompendo a escuridão no silêncio da selva, a turma desafogava o desgosto pelo qual estava passando, com tragos e mais tragos de cachaça. Vitimados pela tersã maligna, uma ramificação da febre amarela, dois jogadores morreram na viagem, o goleiro King e o atacante Papeira. Mais um motivo para a brutalidade dar lugar à mansidão,   

 

Guaberinha, já no Auto Esporte e o goleiro do Santa, Teobaldo (Arquivo)

 


 

 

 

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