HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 

Ilustração: Clériston-Reprodução


 

Motorista deixa o time do Náutico a ver navios, aliás, táxis!

 

 



 

Fernando foi um alagoano que  trabalhou como motorista do Náutico. Numa Kombi, carregava pequenas cargas de mercadorias adquiridas pelo clube. O mais das vezes o carregamento era precioso, exigindo cuidados especiais, por ser constituída dos próprios jogadores, cujos passes valiam uma fortuna. Bem relacionado com a imprensa, quase recebe o bilhete azul em 1974 ao dar, indevidamente, com a língua nos dentes.

O Timbu estava contratando o jovem Jorge Mendonça, do Bangu, tido como a maior revelação do Rio de Janeiro, na época. O dirigente Sebastião Orlando do Nascimento, empresário do ramo de material elétrico, o mecenas do momento,  nos Aflitos, queria evitar, o que terminaria conseguindo, que o pentacampeão Santa Cruz (1969-70-71-72-73), levantasse a sexta taça consecutiva e se igualasse ao Alvirrubro, como hexacampeão estadual (1963-64-65-66-67-68). Enquanto Sebastião, agindo debaixo de sete capas, mantinha negociações diretas, sem participação de intermediário, com o célebre Castor de Andrade, uma raposa do futebol brasileiro, visando trazer o reforço indicado pelo técnico Orlando Fantoni, havia a preocupação para que o assunto fosse tratado como segredo de estado. Isso para que algum concorrente não entrasse na área e a negociação fosse de água abaixo.

Só que quando a dupla achava que estava “abafando”, a notícia da vinda de Jorge Mendonça chegou à imprensa pernambucana. Tome aperreio do cartola e do treinador. Criou-se uma comissão de inquérito, à moda da casa, e não foi difícil achar quem tinha feito o assunto ir a público. Ele mesmo, o motorista Fernando, que foi fortemente advertido, mas evitou o que temia, ser colocado no olho da rua.

Muito tempo depois, o affaire Jorge Mendonça já estava esquecido. Dirigente, técnico e jogadores eram outros, quando o alagoano se meteu em nova encrenca. O time estava concentrado para enfrentar o Sport, na Ilha, e Fernando dava plantão, como sempre, pronto para virar a chave da Kombi a qualquer momento em que sua atividade fosse necessária.

Sábado, véspera do Clássico dos Clássicos, o motorista pediu licença para dar uma passada pela casa do pai, que estava completando 70 anos. Falou alto o senso de humanidade que predominava no ambiente. Por volta da meia-noite, com os jogadores já entregues aos braços de Morfeu, o funcionário alvirrubro, devidamente autorizado por quem de direito, certamente sob a recomendação de que evitasse excessos, pegou o beco.

Na festa entrou numa cervejinha, de leve, regada a sururu, ostra, lambreta e por aí vai. E como ia. Fernando  terminou se tornando o centro das atenções porque muita gente, ali na área suburbana, queria saber como era seu relacionamento com os seres mortais tão venerados pela torcida. Atendendo aos curiosos e satisfeito pelo ibope que estava dando, o homem que sabia tudo sobre o elenco alvirrubro, terminou vendo o sol nascer, junto com seu fã clube. Tudo tranquilo, pois teria que se apresentar às 14 horas na concentração, situada num dos casarões da Av. Rosa e Silva, não muito longe do Náutico.

Chegou lá às 13h55, portanto, dentro da maior pontualidade possível. Encostou a Kombi, na qual a equipe iria para o estádio – naquele tempo, apenas 16 jogadores entravam em campo, os 11 e mais cinco reservas – e ainda tirou onda, fazendo uma continência ao supervisor do futebol alvirrubro, Marcos Soares, coronel reformado da Polícia Militar de Pernambuco. Sonolento, sentou-se ao volante da Kombi e ligou o rádio em boa altura para se manter aceso. Logo recebeu ordem para baixar o volume, uma vez que o barulho estava atrapalhando a sesta dos jogadores após o almoço. Em vez de baixar, preferiu desligar. A medida extrema foi sua perdição.

Pegou no sono, dominado que estava pelo cansaço. Ao acordar, Fernando ficou espantado. O mundo ao seu redor no mais completo silêncio. Pela hora, a concentração deveria estar agitada, diante da movimentação da turma, na preparação para a saída rumo ao estádio. Religou o rádio  para sondar o tempo. Ficou atarantado, minutos depois, ao ouvir o locutor anunciar que a equipe visitante, no caso o Náutico, se preparava para adentrar o gramado. Foi aí que o homem despertou de vez. Deu aquele pinote, quando foi informado pelo vigia da casa, que os jogadores só haviam faltado virar a Kombi, procurando fazer, inutilmente, que ele conseguisse abrir os olhos.

Sem alternativa, a turma foi dividida em pequenos grupos e seguiu em vários táxis para Ilha. Fernando conseguiu se salvar novamente. De imediato se mandou para a Ilha, ficando a esperar o fim do jogo para trazer a turma de volta. Deve ter levado uma bruta chamada, porém mais uma vez salvou sua cara. E passou a se policiar, achando que àquela altura estava na marca do pênalti.      

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