DOIS ANOS SEM ALBERI
(Matéria do jornalista RUBENS
LEMOS, publicada em (1º /11 / 2024) no jornal Tribuna do Norte, de Natal, sobre
o pernambucano Alberi, um dos maiores ídolos do futebol do Rio Grande do Norte)
Que seja ignorada a indiferença dos céticos, burocratas e anestesiados de sentimentos. O futebol é para quem faz da emoção, modus vivendi. Em latim, só para cutucar inquilinos de genialidades fajutas. A morte de Alberi José Ferreira de Matos no crepúsculo da noite de 29 de outubro de 2022 foi a maior tristeza popular de Natal há pelo menos duas décadas. Alberi não era de carne. Era de absolutismo.
Alberi chegou a Natal em 1968.
O ABC estava aos pedaços, sem ganhar campeonato e sem o ídolo que enche de
alucinação inofensiva um clube de massa da extensão humana do alvinegro.
Alberi estreou contra o Santa
Cruz no Juvenal Lamartine, fez um gol na derrota por 3x2 e, assinou, com a
caneta da paixão recíproca, o pacto de identidade que o transformou em Deus
Banto do ABC.
Naquele final dos anos 1960, A
torcida do ABC remexia em seus cacarecos, repetindo as artes e manhas do genial
Jorginho Professor, um dos maiores da história, atuando do final da década de
1940 até o fim da fase em que cabeludos cantavam Beatles, Roberto Carlos numa
Jovem Guarda que respondia iê-iê-iê às atrocidades.
No futebol, Alberi significa e
sempre representará alegria e razão de viver. Alberi jogando, trazia para mais
perto, o clarão do sol da esperança aos domingos, fossem de clássico contra o
América, fossem de peladas contra Riachuelo, Ferroviário, Força e Luz, Atlético
Potiguar e Monte Castelo, o time do Exército Brasileiro.
Injustiçado no Santa Cruz,
Alberi e suas passadas elegantes, seu olhar imperial sobre os comuns
adversários e companheiros, encontraram seu berço aos 23 anos de idade. Zuenir
Ventura escreveu que 1968 foi o ano que não terminou pela rebelião estudantil nascida
na França contra o arbítrio.
Filho das imediações da Praia
do Pina em Recife, Alberi veio à terra potiguar guerrear em chutes espaciais,
gols antológicos, lançamentos de fita métrica, dribles de malandro em gafieira.
Alberi, involuntariamente,
trouxe Natal à sua imagem mitificada e real, porque produzia milagres visíveis
a olho nu ou em precários binóculos de arquibancada.
Alberi batia de curva,
enganando vítimas que deveriam se orgulhar do impossível de contê-lo: os
goleiros do América, Franz, Jairo, Varlindo, Juca, Sombra, Ubirajara (banido de
Natal pela injusta acusação de que era míope).
O abecedista puro de origem e
amor, nascido até os anos 1960, se ajoelhava em caroços de milho, devoção
legítima na noite anterior às finais que Alberi ganhou em suas patadas de herói
profissional.
Alberi, sempre tendo que
justificar o repertório de um Sinatra e na sala de concertos de Nova Iorque,
Carnegie Hall, extrapolando em espetáculos majestosos, de tão inédito nas
repetições, não passaria de um ícone do pequenino Juvenal Lamartine.
Então, Alberi, em gigantesco
campo aberto, honrava a raça negra na lindeza em elipse do Machadão, palco
ideal para os seus shows causadores de histeria no lado onde a religião ABC era
professada a cada quarta ou domingo.
Aí, soberbo em chuteiras,
Alberi disputou o primeiro Campeonato Brasileiro de Clubes e foi o melhor entre
todos os atacantes. Não me cansa repetir que ninguém repetirá a proeza de
Alberi.
Em 1972, Alberi maior que
Jairzinho, que Tostão, que Leivinha, que Doval, superior a quem, sobre o corpo,
exibia a carne convencional dos mortais.
Alberi ganhou a Bola de Prata,
seu símbolo e sua prova, por vezes magoada, do que foi capaz de fazer com uma
bola de couro no pé direito ou disparando de canhota.
Tetracampeão de 1973, astro da
Excursão à Europa e África, Alberi saiu do ABC em 1975 e, por dois anos, vestiu
a proibitiva camisa do América. Voltou ao ABC aos 36 anos, em 1981, para
emprestar charme a um time horroroso. Demorou a parar. Seu acervo imbatível
passou de cinema sem tela a tema de resenhas.
Nas lágrimas que derramo,
Alberi é senhor de minhas nostalgias. Da certeza de que por mim foi
reverenciado vivo. Espíritos livres jamais serão isentos da nobreza coletiva e
irracional. Pisa o macio das polainas, Negão.
Foto: Reprodução
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