O vigoroso Rubinho e a lei
da anestesia
Rubinho era um centromédio do
Santa Cruz nos anos 40. Fora de campo exercia a função de investigador
de polícia, cargo equivalente ao posto de agente policial hoje em dia. Andava
sempre de revólver e não desprezava uma peixeira, como era praxe entre os
policiais. Corpulento, apelidado de Rubem Pezão, morava nas imediações do
Banhistas do Pina, onde era temido e respeitado. Jogava bem, mas se algum
adversário o atingisse, poderia esperar que receberia o troco.
Em 1948, o Santa lutava para ser tricampeão pela segunda vez, o
que terminaria não conseguindo. Num jogo contra o Náutico, nos Aflitos, Rubinho
levou uma cotovelada no rosto, dada pelo alvirrubro Zezinho (nada a ver com o
célebre Zezinho Caixão), numa disputa de bola pelo alto. O sangue jorrou pela
face, e o atleta agredido chegou a desmaiar. Medicado, com um curativo protegendo
a face, resolveu permanecer na luta. Se saísse, desfalcaria o Santinha, uma vez
que, na época, não havia substituição em jogo de campeonato.
No intervalo ouviu mil e uma recomendações dos diretores do Santa,
que conheciam seu temperamento explosivo. Esquecesse o murro que havia levado e
não procurasse ir à forra, para não ser expulso.
O turbulento Rubinho surpreendeu a torcida. Jogou o segundo tempo
com uma delicadeza nunca imaginada e jamais presenciada pelo povão. Ou seja,
seguiu ao pé da letra os conselhos recebidos no vestiário. E Zezinho sempre se
esquivando, evitando o corpo a corpo com o temível e irritado adversário.
Terminada a partida, com a vitória do Náutico por 3 x 2, o atacante
alvirrubro deu o maior pique em direção ao Reservado das Autoridades, onde se
encontravam o presidente da Federação, Osvaldo Salsa, um ex-jogador e ex-presidente
alvirrubro, e o delegado Eudes Costa, de Polícia da Capital. Zezinho achava que
junto dos “homens” estaria seguro. Não deu para chegar lá. No meio do caminho
foi alcançado por Rubinho. O centromédio do Santinha reuniu todas as forças num
sopapo, fazendo o alvirrubro beijar a lona. E tome confusão, com dirigentes,
policiais e torcedores aglomerando-se no local. O fato de a vingança de Rubinho
ter ocorrido nas barbas das autoridades foi considerado um escândalo sem
tamanho.
Por conta, não tanto do bate-pronto na cara de Zezinho, mas pelo
desrespeito, Rubinho pegou um gancho de 180 dias. O Santa Cruz reagiu afastando-se
do campeonato. Foi suspenso pela CBD por 60 dias. Criou-se um tumulto sem
tamanho, tendo havido até a interferência do governador Barbosa Lima Sobrinho,
um antigo jogador e remador do Timbu, para que houvesse a pacificação.
O Santa voltou a participar do campeonato, mas sua pretensão do
segundo Tri já tinha ido para o espaço. O Sport aproveitou o vácuo deixado pelo
time das três cores e terminou dando a volta olímpica. Dessa forma foi adiado
para dez anos depois, no Super de 1957, conquistado em 1958, a música do genial
Capiba, que diz “Santa Cruz, Santa Cruz, junta mais essa vitória...”
Aliás, para se afastar da competição, o que motivaria a suspensão
pela CBD, a diretoria do clube fez uma consulta ao Conselho Deliberativo. Só houve
uma discordância, justamente de Capiba, que, se levantou de seu assento de conselheiro
para nunca mais voltar a ocupá-lo. Capiba achava que o Sport seria favorecido,
como de fato aconteceu.
Mas, voltemos a Rubinho. Tempos depois, já novamente em
atividade, com a pena cumprida, ninguém nem falava mais no incidente daquele Clássico
das Emoções. O jogador voltou a vestir a camisa coral, provocando o mesmo
entusiasmo de antes entre os torcedores.
Porém, aquele herói às avessas teve uma recaída e em determinada
partida agrediu um árbitro. Foi o fim da picada. Como já tinha a ficha suja,
não houve contemplação: foi eliminado do futebol, conforme rezava o Código
Brasileiro Disciplinar do Futebol (CBDF).
A figura do árbitro era, literalmente, intocável.
O antigo centromédio teve que se contentar em participar das
peladas dos fins de semana com os amigos, ou atuar clandestinamente em
amistosos de clubes suburbanos para ganhar algum trocado. Todavia, como sempre
no meio da escuridão há uma luzinha no fim do túnel, Rubinho animou-se bem mais
adiante, quando, já longe do Arruda, as pernas começavam a fraquejar, mas ainda
davam para o gasto. Ao tomar posse na Presidência da República, em 1955, o
mineiro Juscelino Kubitschek decretou anistia ampla e irrestrita para todos os
atletas punidos pela justiça desportiva até aquela data. O defensor do Santinha
exultou de alegria e para certificar-se da situação procurou o advogado Joaquim
Correia Lima Filho, presidente do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD).
– Doutor, eu vou ser beneficiado com essa tal de anestesia?
O homem da lei foi obrigado a engolir o riso, ficou com
pena de Rubinho, mas não teve como deixar de lhe informar que ele não estava
perdoado, uma vez que a anestesia
concedida por JK não beneficiava atletas que haviam sido punidos com
eliminação. Assim terminou melancolicamente a carreira de um jogador muito
venerado pelo povão tricolor.
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