MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 




O DIA EM QUE GERALDO FREIRE FICOU FORA DO AR



 

Quando ainda estava dando os primeiros passos na carreira, o consagrado radialista Geraldo Freire fazia de tudo. Era uma espécie de pau pra toda obra, pois o microfone sempre foi sua paixão. Geraldo nasceu em Caririaçu, antigo distrito de Juazeiro do Norte, no Ceará. Numa premonição de como seria um cara inquieto, com apenas dois dias de nascido mudou-se, com a família, para Mimoso, município de Pesqueira, Agreste de Pernambuco. A antiga Terra do Doce tinha se tornado  um atrativo para quem precisava de trabalho, o que era o caso do pai de Geraldo.

Pesqueira fervia, com três fábricas de doce e produtos afins derivados de goiaba, banana e tomate. As poderosas indústrias Peixe, Rosa e Tigre não paravam, além de fabriquetas menos cotadas.

Das janelas do Seminário São José, onde passei os três primeiros anos da década 50, a gente via o vaivém dos caminhões carregados de frutas ou de latas de doce, suco de tomate etc. À tarde, na sala de aula, respirava-se o cheiro da goiabada fervilhante emanado dos tachos da Rosa. Dona Maroca, a matrona dos proprietários da Fábrica Rosa, os Didier, frequentava a missa dominical da instituição onde vivíamos, celebrada pelo reitor Augusto Carvalho, mais tarde, bispo de Caruaru. Era muito festejada na Casa.

Voltando a Geraldo, este, já mais taludo veio morar no Recife, assentando praça no bairro de Água Fria. Até se transformar na grande personagem e na figura popularíssima e querida da comunicação pernambucana, o zombeteiro e criativo radialista  peregrinou por várias rádios e tevês. Durante um bom tempo desenvolveu a atividade de repórter esportivo. Era considerado um agitador, com muita razão, pois adorava criar uma confusão. É, sobretudo, um gozador.

Há uma história que já foi contada à exaustão pelo próprio Geraldo, mas vale a pena relembrar.  Geraldo cobria a Federação, à qual comparecia diariamente. Fez amizade com o poderoso chefão Rubem Rodrigues Moreira – aliás, a crônica esportiva em peso tinha um bom relacionamento com Rubão. O gabinete do presidente estava sempre aberto, era só entrar, dando a clássica batidinha na porta, ou não, ouvir alguns palavrões e pegar um bigu na conversa, pois sempre havia dirigente de clube a tratar de algum assunto ou apenas falando trivialidades. Às vezes, Rubem queria ter um papo particular com dois ou três cartolas e reunia-se com eles no amplo e luxuoso banheiro do seu gabinete. Era engraçado, mas dessa maneira fugia da curiosidade da imprensa.

Na gozação, Geraldo dizia que não perdia a esperança de um dia abrir a porta da sala e encontrar o Comodoro debruçado sobre a mesa, para sempre. “Esse furo ia ser meu, sozinho” – afirmava em tom de galhofa, provocando risos.

A brincadeira chegou ao conhecimento de Rubem, via Napoleão Macedo, superintendente da FPF e fiel escudeiro do Homão. Certa tarde quando abriu a porta, o irreverente radialista viu Rubão apontar-lhe um revólver, dizendo que ainda iria jogar terra na cara de muito “filho da puta.” A greia de Geraldo morreu aí.

Como repórter de campo, Geraldo Freire atanazava a vida dos árbitros, entrando em campo em momentos inadequados e sempre retardando o início das partidas com mais uma entrevista. Trabalhando na TV Jornal do Commercio, o Canal 2, o intrépido repórter tinha um imenso 2 estampado na camisa e era instruído pela direção da emissora para entrar em ação a todo momento, encostando em juiz, jogador lesionado, ou não, de modo que sua imagem fosse focalizada pelas câmeras, não só da Jornal, mas também da concorrente TV Clube.

Certa vez jogavam Sport e Santa Cruz, com arbitragem de Sebastião Rufino, juiz da Fifa e oficial da Polícia Militar, cujo rigor era do conhecimento de todos. Geraldo Freire estava trabalhando naquele Clássico das Multidões, e como sempre acontecia, corria de um lado a outro, entrevistando quem desse sopa. A certa altura, um jogador se machucou. Geraldo deu o maior pique e chegou junto do atleta em poucos segundos, puxando seu microfone de fio. Era proibido entrar no gramado. O endiabrado comunicador sabia disso, mas não estava nem aí. Outros repórteres acharam-se no mesmo direito e daqui a pouco estava aquele fuzuê lá dentro. Sebastião Rufino pediu educadamente que os radialistas se retirassem e foi atendido. Só Geraldo não ligou, permanecendo por ali, embromando.

“Geraldo, os outros já saíram, só ficou você” – disse-lhe o árbitro, pacientemente.

“Ô Rufino, me deixa trabalhar” – replicou o insistente repórter, que levou o juiz a treplicar:

“Você é que deve me deixar trabalhar.”

Geraldo Freire tratou de atender, mas no caminho rumo à linha lateral, ao passar pelo jogador que se machucara, não resistiu:

“O que você está sentindo?”

Aí, Rufino perdeu a paciência e ameaçou chamar a polícia para retirá-lo na marra. Geraldo procurou dar o fora o mais rápido possível e, enquanto andava, continuava a dar seu recado pelo microfone. Quando já ia chegando à orla do gramado, ouviu o grito do juiz:

“Geraldo, vem buscar teu fio.”

Foi assim que o irrequieto repórter descobriu que o fio havia se largado do microfone e ele só fazia jogar conversa fora.

Ou seja, Geraldo Freire estava fora do ar!

Ilustração: Ronaldo

 

 

 

Ilustração: Ronaldo

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